quarta-feira, 16 de setembro de 2015

De 50 mil homicídios ocorridos no país por ano, apenas quatro mil (8%) têm o autor descoberto e preso

De 50 mil homicídios ocorridos no país por ano, apenas quatro mil (8%) têm o autor descoberto e preso. A estimativa é de Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador da pesquisa Mapas da Violência 2011, divulgada pelo Ministério da Justiça. São pelo menos cem mil assassinatos sem solução no Brasil até 2007 — e muitos já prescritos dentro do prazo de 20 anos previsto pelo Código Penal Brasileiro —, segundo o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). A reportagem é do jornalista Cássio Bruno, do jornal O Globo.

Especialistas ouvidos pelo jornal, na última semana, apontam uma série de fatores que prejudicam o esclarecimento dos homicídios: o sucateamento das delegacias; a falta de infraestrutura das polícias técnicas nos estados para obtenção de provas; o déficit do número de investigadores; e a burocracia, além da não integração entre delegados, promotores e a Justiça no andamento dos inquéritos.

“O Brasil não tem uma estrutura de segurança pública formada. Não há um sistema nacional integrado para o tema. Há uma resistência grande em abrir a caixa-preta da criminalidade no país. Tem estado, como Alagoas, cujo índice de solução de homicídios não chega a 2%”, afirma Waiselfisz.

Para agilizar as investigações, o CNMP criou, em parceria com o Conselho Nacional de Justiça, o Ministério da Justiça e os governos estaduais, a Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp), chamada de Meta 2. O objetivo é tentar concluir inquéritos abertos até dezembro de 2007.

Na sexta-feira, já eram 95.272 casos de crimes sem conclusão no país. Mas o número passará dos cem mil, já que 16 estados vão apresentar relatórios com a estatística atualizada.

A missão de cumprir a Meta 2, porém, será difícil. O prazo dado às polícias para encerrar os casos nos estados com mais de quatro mil inquéritos em andamento terminaria em julho, mas já foi prorrogado para o fim de dezembro por causa da demanda.

“Os problemas não são de agora. A Enasp está jogando luz em cima do problema”, diz a juíza federal Taís Ferraz, coordenadora do Grupo de Persecução Penal do Enasp, que cita dificuldades encontradas nas investigações. “Há situação em que é preciso três pessoas assinarem um documento para realizar determinada diligência. E faltam equipamentos e peritos.”

No Rio, o Centro Integrado de Apuração Criminal (Ciac) possui 30 mil inquéritos da capital, sendo 15 mil de homicídios ocorridos até dezembro de 2007. Dos 15 mil procedimentos abertos, 60% estão prontos para serem arquivados. Ou seja: casos sem qualquer referência dos assassinos ou já investigados, mas com baixa possibilidade de se chegar ao autor. Outros 39% ainda dependem de investigações e apenas 1% tem a autoria identificada.

“Criamos o Programa de Resolução Operacional de Homicídios, com técnicas padronizadas para obter sucesso nas investigações. O conselho do Ministério Público recomendou a outros estados para que exista um padrão nas investigações”, diz o procurador de Justiça Rogério Scantamburlo, coordenador do Ciac.

Investigação defasada 
Antônio Maciel Aguiar, presidente da Federação Nacional dos Profissionais de Papiloscopia e Identificação, destaca a falta de especialistas. “Em Goiás, por exemplo, temos só 150 papiloscopistas para atender a 246 municípios.”

Em 2010, o coordenador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ, Michel Misse, publicou “O inquérito policial no Brasil: Resultados gerais de uma pesquisa” e fez a seguinte análise: “Observaram-se em alguns estados (especialmente no Rio de Janeiro), alta rotatividade de delegados e policiais entre as delegacias e uma constante reclamação de interferência política na atividade policial”.

Cláudio Beato, coordenador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais, afirma: “Hoje, a polícia investiga com base em depoimentos de testemunhas. É um método atrasado, defasado. Só há peritos de corpos e não de cenas do crime. Nos Estados Unidos, a testemunha é a prova menos importante em um julgamento. No Brasil, a confissão é o objetivo. Se não há confissão, dificilmente chega-se ao autor.”

Procurada pela reportagem do jornal O Globo, Regina Miki, secretária nacional de Segurança Pública (Senasp), não respondeu aos pedidos de entrevista.