Paulo Henrique Lobato -
Publicação: 05/08/2012 07:07Atualização:
Araguari – A obra em ritmo acelerado no sobrado de número 1.098 da Rua Coronel José Ferreira Alves, em Araguari, transformará o centenário casarão num moderno teatro. Por ironia, o novo cartão-postal será palco de peça inspirada num drama que ocorreu no mesmo imóvel, antigo fórum e cadeia da cidade do Triângulo Mineiro. Foi ali que se desenrolou boa parte do chamado caso dos irmãos Naves, tido por muitos juristas como o maior erro do Judiciário brasileiro no século passado. Sebastião e Joaquim Naves foram torturados e injustamente condenados sob a acusação de ter roubado e matado o compadre deles, Benedito Pereira. A reforma do casarão e a encenação de peça fazem parte de roteiro turístico recém-criado pela prefeitura inspirado no caso. O enredo envolvendo os irmãos Naves começou em 1937 e só foi esclarecido em 1952, quando o compadre Benedito, que ficou 15 anos desaparecido, voltou ao município. Em alusão aos 75 anos do início do martírio dos réus e aos 60 anos do fim do sofrimento da família Naves, o Estado de Minas relembra o caso que entrou para a história jurídica brasileira e detalha os planos do município para que o erro não seja apagado da memória do país.
Enredo de dívidas, fuga e torturas
A data é 29 de novembro de 1937. Poucas semanas depois de Getúlio Vargas orquestrar o golpe que instituiu o Estado Novo, os irmãos Joaquim e Sebastião Naves, humildes e semianalfabetos, entraram afoitos na delegacia de Araguari para informar aos policiais que Benedito Pereira, compadre deles, havia desaparecido com pouco mais de 90 contos de réis – cerca de R$ 300 mil. O tenente Chico Vieira, conhecido tanto pelo rigor quanto pela farda impecável, foi transferido de Belo Horizonte para conduzir as investigações.
O delegado-militar ouviu dos irmãos que Benedito era sócio deles num caminhão Ford V-8, usado no transporte de grãos, e que havia conseguido empréstimo com familiares e amigos para comprar 2.047 sacas de arroz. O desejo do compadre era lucrar com a alta do produto, mas o preço do alimento despencou e Benedito foi obrigado a vendê-lo pelos 90 contos de réis. O valor era insuficiente para quitar os empréstimos. Talvez esse tenha sido o motivo de seu sumiço.
Para o tenente, porém, a linha de investigação foi uma só: os Naves cometeram latrocínio – matar para roubar – contra o compadre. “Os irmãos tiveram as unhas arrancadas, foram obrigados a beber urina e um deles, depois de pendurado numa árvore, teve o corpo lambuzado com mel para ser atacado por insetos. O pior foi terem visto a mãe e as esposas torturadas”, conta Fausto Lieggio, de 97 anos, filho de um carcereiro na época do martírio dos Naves.
Os descendentes de Sebastião e Joaquim não comentam o caso. Pudera: o sofrimento dos irmãos foi além dos maus-tratos físicos. O bebê de Sebastião morreu de desnutrição, segundo moradores, porque a mãe, depois de torturada, não teve como alimentá-lo corretamente. Por semanas, Sebastião e Joaquim ficaram presos numa cela no primeiro andar do sobrado que está sendo reformado.
Lá funcionava a cadeia. O segundo pavimento abrigava o fórum, onde eles foram julgados duas vezes. Em ambas foram inocentados por 6 a 1. Aqui entra o erro do Judiciário, que aceitou recurso do Ministério Público, discordou das decisões dos jurados e condenou os réus. O Brasil seguia a Constituição de 1937, que não garantia a soberania do júri.
“Era outra época. O crime de latrocínio era julgado pelo júri. Hoje, o tribunal pode até mudar a decisão dos jurados, numa revisão criminal, desde que ocorram fatos depois do julgamento”, esclarece o juiz Glauco Eduardo Soares, titular do 2º Tribunal do Júri de BH e ex-delegado em Araguari. Ele conhece a história não apenas por ter sido lotado na cidade: o drama dos Naves se tornou caso estudado nas faculdades de direito do país.
“O caso é um marco, tendo ‘virado’ livro e filme”, reforça o advogado Leonardo Marinho, conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG) e professor de processo penal na PUC Minas e na Universidade Federal de Minas Gerais. O livro ao qual ele se refere, O caso dos irmãos Naves, foi escrito por João Alamy Filho, que defendeu Sebastião e Joaquim.
O bacharel conseguiu reduzir a pena dos irmãos de 25 anos para 16 anos. Por bom comportamento, em 1946, a dupla deixou a prisão depois de oito anos e seis meses dentro de uma cela. Joaquim, três anos depois, morreu. “Foi para o céu carregando a culpa de um crime que não cometeu”, lamentou a historiadora Juscelia Peixoto. Em 1952, a verdade foi esclarecida: Benedito apareceu numa fazenda próxima a Araguari. Sebastião foi avisado e acionou a polícia.
Benedito, depois de localizado, jurou que não sabia do martírio enfrentado pelos irmãos. Relatou que decidiu viajar pelo Brasil. O empréstimo que ele havia conseguido jamais foi pago. Já a honra dos Naves foi resgatada.
Enredo de dívidas, fuga e torturas
A data é 29 de novembro de 1937. Poucas semanas depois de Getúlio Vargas orquestrar o golpe que instituiu o Estado Novo, os irmãos Joaquim e Sebastião Naves, humildes e semianalfabetos, entraram afoitos na delegacia de Araguari para informar aos policiais que Benedito Pereira, compadre deles, havia desaparecido com pouco mais de 90 contos de réis – cerca de R$ 300 mil. O tenente Chico Vieira, conhecido tanto pelo rigor quanto pela farda impecável, foi transferido de Belo Horizonte para conduzir as investigações.
O delegado-militar ouviu dos irmãos que Benedito era sócio deles num caminhão Ford V-8, usado no transporte de grãos, e que havia conseguido empréstimo com familiares e amigos para comprar 2.047 sacas de arroz. O desejo do compadre era lucrar com a alta do produto, mas o preço do alimento despencou e Benedito foi obrigado a vendê-lo pelos 90 contos de réis. O valor era insuficiente para quitar os empréstimos. Talvez esse tenha sido o motivo de seu sumiço.
Para o tenente, porém, a linha de investigação foi uma só: os Naves cometeram latrocínio – matar para roubar – contra o compadre. “Os irmãos tiveram as unhas arrancadas, foram obrigados a beber urina e um deles, depois de pendurado numa árvore, teve o corpo lambuzado com mel para ser atacado por insetos. O pior foi terem visto a mãe e as esposas torturadas”, conta Fausto Lieggio, de 97 anos, filho de um carcereiro na época do martírio dos Naves.
Os descendentes de Sebastião e Joaquim não comentam o caso. Pudera: o sofrimento dos irmãos foi além dos maus-tratos físicos. O bebê de Sebastião morreu de desnutrição, segundo moradores, porque a mãe, depois de torturada, não teve como alimentá-lo corretamente. Por semanas, Sebastião e Joaquim ficaram presos numa cela no primeiro andar do sobrado que está sendo reformado.
Lá funcionava a cadeia. O segundo pavimento abrigava o fórum, onde eles foram julgados duas vezes. Em ambas foram inocentados por 6 a 1. Aqui entra o erro do Judiciário, que aceitou recurso do Ministério Público, discordou das decisões dos jurados e condenou os réus. O Brasil seguia a Constituição de 1937, que não garantia a soberania do júri.
“Era outra época. O crime de latrocínio era julgado pelo júri. Hoje, o tribunal pode até mudar a decisão dos jurados, numa revisão criminal, desde que ocorram fatos depois do julgamento”, esclarece o juiz Glauco Eduardo Soares, titular do 2º Tribunal do Júri de BH e ex-delegado em Araguari. Ele conhece a história não apenas por ter sido lotado na cidade: o drama dos Naves se tornou caso estudado nas faculdades de direito do país.
“O caso é um marco, tendo ‘virado’ livro e filme”, reforça o advogado Leonardo Marinho, conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG) e professor de processo penal na PUC Minas e na Universidade Federal de Minas Gerais. O livro ao qual ele se refere, O caso dos irmãos Naves, foi escrito por João Alamy Filho, que defendeu Sebastião e Joaquim.
O bacharel conseguiu reduzir a pena dos irmãos de 25 anos para 16 anos. Por bom comportamento, em 1946, a dupla deixou a prisão depois de oito anos e seis meses dentro de uma cela. Joaquim, três anos depois, morreu. “Foi para o céu carregando a culpa de um crime que não cometeu”, lamentou a historiadora Juscelia Peixoto. Em 1952, a verdade foi esclarecida: Benedito apareceu numa fazenda próxima a Araguari. Sebastião foi avisado e acionou a polícia.
Benedito, depois de localizado, jurou que não sabia do martírio enfrentado pelos irmãos. Relatou que decidiu viajar pelo Brasil. O empréstimo que ele havia conseguido jamais foi pago. Já a honra dos Naves foi resgatada.
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