quarta-feira, 10 de agosto de 2011

LEIA A PUBLICAÇÃO, MUITO INTERESSANTE. DIGA NÃO AO ASSÉDIO MORAL. DIVULGUE E COMPARTILHE.

MARCO CAVALCANTE. MARCÃO CAVALCANTE.

LEIA A PUBLICAÇÃO, MUITO INTERESSANTE. DIGA NÃO AO ASSÉDIO MORAL. DIVULGUE E COMPARTILHE.
 

O ASSÉDIO MORAL COMO INFRAÇÃO LABORAL E A RESPONSABILIZAÇÃO DO EMPREGADOR PELOS DANOS CAUSADOS AO EMPREGADO

Pode-se dizer que, pelo menos de forma específica, a legislação trabalhista brasileira não contém disposição expressa a respeito do assédio moral nas relações individuais e coletivas laborais.

Apesar dessa constatação, não se pode esquecer que em qualquer Estado de Direito, a consagração da pessoa e da sua dignidade constitui o centro e o fundamento do sistema constitucional, especialmente em um Estado como o Brasil que se proclama Estado Democrático de Direito a partir do Preâmbulo do Texto Maior.

De fato, no plano jurídico constitucional brasileiro o art. 1º, inciso III, do Texto de 1988 estabelece a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil.

É claro que esse preceito impregna todo o ordenamento jurídico, inclusive o ordenamento laboral, na medida em que a dignidade da pessoa humana constitui valor espiritual e moral inerente ao indivíduo, cujo respeito goza do maior nível de proteção, como direito fundamental. Nesse sentido, a dignidade da pessoa humana, elevada a princípio fundamental pelo Texto Supremo, impõe-se como núcleo básico a informar todo o ordenamento jurídico brasileiro e como critério e parâmetro de valoração orientador da atividade interpretativa e da compreensão do sistema constitucional instaurado com a nova ordem implantada no País em 04.10.1988. Por conseguinte, o princípio da dignidade da pessoa humana incorpora as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro, e por óbvias razões, ao ordenamento laboral, na medida em que o trabalho humano como valor social, é um dos instrumentos mais importantes de afirmação da cidadania e do respeito à dignidade do ser humano, que tem na força de trabalho se não a única, a mais importante fonte de sobrevivência.

Como anota Ingo Wolfgang Sarlet(1) constituindo a dignidade da pessoa humana “a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”, deve impregnar não apenas o ordenamento laboral, mas todo o ordenamento jurídico do País de tal modo que o intérprete deve sempre ter em mente, quando da aplicação de qualquer norma, referido valor albergado de forma expressa pelo primeiro preceito constante do Texto Maior e, como já registrado, no Preâmbulo da Carta Suprema.

Desse modo, embora não se tenha ainda, entre nós, norma legal específica sobre o assédio moral no campo laboral, este vazio não impede através de criteriosa análise das normas contidas na velha CLT e em outros diplomas legais(2), inclusive de caráter internacional, incorporados ao ordenamento jurídico nacional(3), que mediante uma interpretação sistemática se possa extrair uma série de normas que podem ser aplicadas tanto na prevenção como na resolução dos conflitos decorrentes do assédio no âmbito das relações trabalhistas como, aliás, atestam os inúmeros arestos e decisões proferidas pela Justiça do Trabalho a respeito dessa tormentosa e insidiosa forma de violência no local de trabalho.

No âmbito da CLT, por exemplo, vamos encontrar a norma constante do art. 483 disciplinando a chamada “dispensa indireta”, que nada mais é se não o rompimento do contrato de trabalho por decisão do empregado, motivada por falta grave cometida pelo empregador(4).

A despedida indireta é uma causa de cessação do contrato laboral em face de atos faltosos praticados pelo empregador. Por isso, a rigor, a hipótese é de resolução contratual(5), embora na prática seja nominada de “rescisão indireta”(6).

Deveras, nos termos da aludida norma consolidada o empregado pode considerar o contrato “rescindido” e requerer a indenização devida, inclusive, aquela decorrente de eventuais danos materiais e morais que o ato empresarial possa ter lhe causado (arts. 483 da CLT, 186, 187 e 927 do Código Civil).

Assim, o art. 483 da CLT faculta ao empregado provar em juízo os motivos alegados na demanda trabalhista em que postula a decretação da “rescisão” contratual por falta grave cometida pelo empregador com o pagamento da indenização devida(7).

Levando-se em conta o que dispõe o referido preceito legal, pode-se perfeitamente enquadrar o assédio moral nas seguintes hipóteses legais da dispensa indireta:

a) exigência de serviços superiores às forças do trabalhador, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato (CLT, art. 483, a).

É claro que o termo "forças" haverá que ser entendido de forma ampla, pois engloba as acepções de força muscular, aptidão para a tarefa, capacidade profissional.

Com efeito, e apesar de ainda existir certa discussão a respeito do significado e alcance do vocábulo “forças”, a regra tem recebido uma interpretação ampla não se restringindo apenas as forças físicas, mas também intelectuais e, como defende Maurício Godinho Delgado(8), até mesmo, emocionais, pois a condição pessoal do trabalhador, e não meramente profissional, tem de ser tomada em conta quanto à exigência de serviços ao longo do contrato (CLT, art. 456, Par. Único). Até porque a norma não distingue quais os tipos de força, não fazendo menção à energia muscular, o que impede o intérprete de assim fazê-lo.

Razoável, pois, afirmar a possibilidade de se incluir no preceito ora examinado também as forças intelectuais ou mentais, na medida em que o objetivo do legislador foi de limitar o poder de comando empresarial e coibir abusos capazes de acarretar danos ao empregado, como por exemplo, exigências desproporcionais à condição humana colocando em risco a saúde física, mental ou intelectual deste, máxime quando se constata pelos termos das Convenções 155 e 161 da OIT, competir ao empregador adotar ações e medidas necessárias para “manter um ambiente de trabalho seguro e salubre, de molde a favorecer uma saúde física e mental ótima em relação ao trabalho” e proceder “a adaptação do trabalho às capacidades dos trabalhadores, levando em conta o seu estado de sanidade física e mental”, o que confirma o posicionamento aqui defendido.

Essas diretrizes de certa forma também estão previstas no art. 3º da Lei 8.080/90 quando relaciona os fatores determinantes da saúde, inclusive no ambiente do trabalho(9), ou seja, “a ambiência na qual se desenvolvem as atividades do trabalho humano”.

Desse modo, e como adverte Julio César de Sá Rocha(10), o ambiente do trabalho não se limita ao empregado. Todo trabalhador que cede a sua mão-de-obra exerce sua atividade em um ambiente de trabalho. Por isso, e diante das constantes modificações por que passa o trabalho, o meio ambiente laboral não se limita ao espaço interno da fábrica ou da empresa, mas se estende ao próprio local de moradia ou ambiente urbano(11).

Todavia, sob o aspecto da força física, a ordem jurídica laboral contém claras balizas: força muscular até 20 kg para mulheres e menores, em todo trabalho contínuo, e até 25 kg, em trabalho ocasional (CLT arts. 390 e 405, § 5º) e 60 kg para o trabalhador maior do sexo masculino (CLT, art. 198).

O descumprimento dessas limitações pelo empregador poderá causar graves danos à saúde (física e mental) do trabalhador, violando um dos direitos fundamentais tutelados constitucionalmente (Constituição Federal, arts. 6º e 196) e pelas Convenções 155 e 161 da OIT (que, como antes assinalado, integram o ordenamento jurídico nacional com dignidade de norma constitucional), qual seja, o direito a saúde do trabalhador. Tanto assim, que a sexagenária CLT estabelece no seu art. 157 uma série de medidas para prevenir contra a fadiga, doenças (físicas e mentais) e acidentes de trabalho.

É claro que o comportamento do empregador descumprindo as normas protetoras da saúde do trabalhador sendo levado a efeito no ambiente laboral e praticado de forma sistemática ao longo de certo período, a par de constituir uma inadmissível agressão à ordem jurídica violando normas de proteção do trabalho, caracteriza abuso dos poderes empresariais, atingindo também e de forma nociva, à saúde do trabalhador(12) colocando em risco não apenas a saúde física e mental deste, mas afetando de forma direta ao próprio trabalho e emprego.

Nesse contexto, parece não existir dúvida de que esse tipo de conduta empresarial caracteriza a figura do assédio moral, na medida atenta contra a dignidade do empregado colocando em risco também o direito ao trabalho.

Desse modo, a conduta prevista no art. 483, letra a, primeira parte, da CLT pode perfeitamente caracterizar a figura ilícita do assédio moral dando azo não apenas a indireta “rescisão contratual” por culpa do empregador, mas também o obrigando a indenizar a vítima pelos danos materiais e morais causados à sua saúde física e mental, constituindo verdadeiro e inamissível atentado contra a dignidade humana deste, pois afeta de forma direta e nociva ao seu constitucional e fundamental direito à saúde e ao trabalho, garantidos de forma expressa no art. 6º do Texto Maior.

Como pondera Oscar Ermida Uriarte(13), mesmo vinculado subordinadamente ao empregador em razão do contrato, o trabalhador continua sendo titular de direitos humanos fundamentais, pois não deixa de ser pessoa humana.

Desse modo, não pode ter violados esses direitos que enquanto ser humano lhe correspondem, pela mera condição de haver celebrado um contrato de trabalho nem por ter sido incorporado a uma organização privada (a empresa), ao contrário, continua sendo titular desses direitos cujo exercício faz surgir o conceito de exercício da cidadania na empresa.

De fato, há muito a empresa deixou de ser apenas um lugar de prestação de serviços, tornando-se o núcleo organizativo da atividade. Ao ter adquirido posição central na sociedade, na política e na economia tornou-se também centro de preocupações do Direito do Trabalho. Por conseguinte, a empresa é a organização econômica e social sobre a qual o sistema democrático se apóia e que impõe limites às possíveis opções de desenvolvimento alternativas ao que existe(14).

Assim, não pode o trabalhador ser visto como uma ferramenta ou peça de trabalho, mas como pessoa dotada de direitos inatos, pré-jurídicos inerentes à sua condição de pessoa humana e por isso mesmo, portador de uma dignidade que jamais poderá ser agredida em nome e com base nos poderes empresais que, apesar de constitucionalmente garantidos(15), encontram limites exatamente nos direitos fundamentais do trabalhador, entre eles, é claro, o direito à saúde e à integridade física e moral deste(16).

É necessário sempre ter em mente, como nos lembra abalizada doutrina(17) que há um importante elenco de direitos laborais que são, sem dúvida alguma, direitos humanos. Por isso, o novo Direito do Trabalho “pós-neoliberal” deve fundar-se na reconstrução do Direito social sobre a base desses direitos laborais que são direitos humanos – específicos ou inespecíficos – e que, enquanto tais, estão supraordenados pelas normas internacionais e pela Constituição à legislação nacional.

Desse modo, a violação sistemática dos aludidos direitos por parte do empregador com a exigência de tarefas ou serviços superiores às forças físicas ou mentais do empregado a par de constituir violação ao disposto no art. 483, letra a, da CLT, tipifica também a figura do assédio moral no campo da relação de emprego, pois viola um dos mais importantes direitos fundamentais do trabalhador, qual seja, o direito à saúde (física ou mental).

Quanto aos serviços defesos por lei, esta figura envolve as atividades proibidas pela lei ou que possam oferecer risco à vida do trabalhador ou do próximo.

Trata-se de serviços proibidos pela ordem jurídica, seja por se tratar de labor administrativamente vedado, seja ainda por se tratar de atividade que, em seu procedimento, cause injusta lesão a alguém, inclusive, é claro, ao próprio trabalhador ou ainda quando tenha como objeto da prestação laboral uma atividade ilícita.

Trabalho contrário aos bons costumes é aquele que ofende a moral pública, e serviços alheios ao contrato representa a realização de tarefas exigidas pelo empregador alheias ou contrárias aos serviços para os quais o trabalhador foi contratado.

Essa falta é um corolário da cláusula proibitiva da alteração unilateral do contrato, prevista no art. 468 da Lei Consolidada. Costuma acontecer nos procedimentos de assédio moral com certa freqüência quando o empregador desvia o trabalhador para serviços completamente alheios para os quais foi contratado, como forma de perseguição.

Não raro quando isso acontece, são atribuídas ao empregado tarefas menores ou de pouca significância ou ainda muito difícies senão impossíveis de ser cumpridas de modo a causar um clima desfavorável ao trabalhador e que muitas vezes termina levando este a se desligar da empresa, passando a ser vítima de sofrimento de ordem física e emocional com seqüelas não raras vezes irreversíveis.

É claro que esse tipo de conduta empresarial quando levada a efeito de forma duradoura e sem nenhuma justificação plausível (proporcional), além de atentar contra a norma do art. 468 da CLT caracterizando abuso dos poderes empresais, também tipifica a figura do assédio moral.

b) tratamento pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo (CLT, art. 483, b).

Essa figura legal envolve a presença de repreensões ou medidas punitivas desprovidas de motivação razoável que configure perseguição, discriminação ou intolerância do empregador ou seus prepostos em relação ao empregado de forma ofensiva a dignidade deste.

Na verdade, como averba Maurício Godinho Delgado(18), o tipo legal trata do descumprimento do princípio da proporcionalidade, que deve reger as ações de todo aquele que detém parcelas consideráveis de poder perante alguém.

Enquadra-se assim, no referido tipo jurídico o comportamento diretivo, fiscalizatório ou disciplinar do empresário que traduza exercício irregular ou abusivo de tais poderes, exacerbando as manifestações de poder sobre certo empregado, não raro por razões de mera perseguição ou até mesmo discriminação pelas mais variadas razões levando a se instalar no ambiente laboral um clima tóxico insuportável que pode levar o trabalhador a isolar-se dos colegas e até mesmo a desligar-se do próprio emprego não sem mágoas e seqüelas emocionais até mesmo físicas.

Essa infração grave pode manifestar-se através de atos de intolerância contínua, exagero minudente de ordens, especialmente quando revelada através de tratamento discriminatório (em razão de sexo ou orientação sexual, cor, etnia, crença religiosa ou política...), quando houver receio de que o trabalhador assediado possa de alguma forma competir com a chefia a promoções ou acesso a cargo de maior importância, etc.

Parece evidente que esse tipo de comportamento empresarial atenta contra o direito fundamental do trabalhador de ser tratado com devida consideração e de não ser discriminado por qualquer motivo (Constituição Federal, arts. 1º, incisos III e IV; 3º, inciso IV e 5º; Lei 9.029/95, arts. 1º a 4º).

Se esses atos são praticados de forma sistemática e sem nenhuma razão aparente, além de caracterizar abuso do poder empresarial e discriminação (art. 5º e Lei 9.029/95), também tipificam uma conduta assediante, pois constituem inadmissível atentado contra a dignidade do trabalhador.

Nessa perspectiva, é facultada a “rescisão indireta do contrato” por culpa do empregador que deve ser responsabilizado não apenas pelas indenizações laborais devidas, mas também pela reparação civil dos danos de ordem material e moral que o empregado tenha experimentado em conseqüência do maltrato.

É claro que aludida indenização deve incluir os danos decorrentes da injusta perda do emprego por culpa do empregador e com o tratamento médico a que eventualmente o empregado tenha que se submeter.

Nesse passo, se deve anotar, mais uma vez, que o empregador é responsável pela reparação de todos os danos experimentados pelo trabalhador e, eventualmente seus familiares que dele dependam, especialmente em caso de seqüelas que o tornem incapaz para o trabalho, ainda quando o comportamento faltoso tenha partido de outro empregado ou de preposto (CLT, art. 2º e 483 e Código Civil, arts. 186 e 932, III);

c) perigo de mal considerável (CLT, art. 483, c).

É aquele que ocorre quando o empregado é compelido a executar suas tarefas sem que a empresa adote medidas necessárias para que o local de trabalho esteja dentro das normas de higiene e segurança do trabalho de forma a prevenir contra doenças ocupacionais ou acidentes de trabalho(CLT, art. 157 e Convenção 155 da OIT).

Essa infração que pode caracterizar assédio moral se caracteriza quando o empregador submeter o trabalhador, pelas condições do ambiente laborativo ou pelo exercício de certa atividade ou tarefa, a risco não previsto no contrato, ou que poderia ser evitado.

Parece óbvio que em se tratando de riscos advindos à saúde do trabalhador em face das condições do ambiente laborativo que poderiam ser eliminados ou pelo menos prevenidos pelo empregador (CLT, art. 157), que conscientemente se omitiu, principalmente quando o risco de dano for inerente à atividade, enquadra-se na hipótese prevista no art. 483, letra c, da CLT ensejando o rompimento indireto do contrato com o pagamento das verbas trabalhistas decorrentes do ato empresarial faltoso.

Ademais, se a conduta empresarial for praticada de forma consciente e sistemática colocando em risco a integridade física ou moral do trabalhador, além de constituir falta grave ensejando o rompimento do pacto, também caracteriza o assédio moral, na medida em que constitui ato atentatório à dignidade do trabalhador colocando em risco a saúde, a integridade física ou mental se não a sua própria vida.

Nessa hipótese, além da indenização decorrente do rompimento do contrato, o empregador deve ser também responsabilizado pelos danos morais e materiais que seu ato possa ter causado à vítima e/ou aos seus familiares, na forma do que previsto nos arts. 2º e 483 da CLT, 186 e 932, III, do Código Civil.

Também podem tipificar condutas assediantes os atos praticados pelo empregador ou seus prepostos lesivos à honra, ao bom nome, à fama, ao respeito profissional e pessoal do empregado ou pessoas de sua família, na forma prevista na letra e, do art. 483 da CLT.

Na medida em que esse tipo de comportamento atinge de forma direta a dignidade do trabalhador e seus familiares e muitas vezes é levado a efeito por sentimentos de pura vingança, perseguição ou discriminação, com o objetivo de macular a imagem e a honra profissional e pessoal do trabalhador fazendo com que ele se desligue da empresa, ou seja desmoralizando-o perante os demais colegas e a comunidade, não resta dúvida devem ser considerados como típico assedio moral, especialmente quando forem praticados de forma sistemática ao longo de certo período.

Ao contrário do que defende certa e respeitável doutrina(19), e em que pese o vazio legal, parece razoável entender-se que através de uma interpretação sistemática ampliativa dos preceitos constitucionais e das normas legais ordinárias acima invocadas, a caracterização do assédio moral em algumas das condutas previstas no art. 483 da CLT, bem como naquelas elencadas nos diplomas internos(20) e internacionais, nomeadamente nas Convenções expedidas pela OIT preventivos e repressivos da discriminação no âmbito das relações laborais(21).

Contudo, é necessária a aprovação o mais rapidamente possível de norma específica sobre o assédio moral que estabeleça medidas preventivas e institua mecanismos instrumentais para coibir esse tipo de conduta com a nulidade da dispensa, da transferência, da demissão ou da punição disciplinar nele fundada, facultando-se à vítima a rescisão indireta do contrato com as indenizações trabalhistas devidas, sem prejuízo da indenização de natureza civil pelos danos (materiais e morais) sofridos pelo prejudicado e seus familiares com esse condenável tipo de conduta.

O dano causado pelo assédio moral, portanto poderia ser inserido pelo legislador no rol das hipóteses do artigo 483, da Consolidação das Leis do Trabalho, pois também revela capacidade de ensejar a rescisão indireta do contrato de trabalho, para que se possa dar maior segurança aos trabalhadores na busca de seu bem-estar(22).

Não se deve cogitar apenas da proteção da jornada de trabalho, do salário e demais direitos materiais trabalhistas. Deve-se lutar também e principalmente, pela proteção dos direitos à personalidade do trabalhador, por uma maior liberdade de trabalho, pela satisfação do empregado no ambiente do trabalho, direitos esses não previstos expressamente na legislação especializada (Consolidação das Leis do Trabalho), mas reconhecidos em outras normas aplicáveis, e imprescindíveis à valorização do trabalho humano e que na verdade, decorrem do valor maior da dignidade da pessoa humana e do trabalho como um valor social, constitucionalmente garantidos.

A proteção do bem-estar do trabalhador, nada mais é que a plena eficiência dos princípios contidos na Constituição Federal do Brasil, de igualdade e de inviolabilidade da honra, contidos nos incisos III, V e X do artigo 5º.

Apesar da existência de um elenco de normas de proteção aos direitos do trabalhador, como já se registrou, não existe nenhuma lei no âmbito federal capaz de determinar sanção para esta prática, no entanto, como adverte abalizada doutrina “a prática do assédio moral gera conseqüências jurídicas para o ofensor e, também, para a vítima, pois,embora inexista no âmbito trabalhista nacional uma lei específica sobre o fenômeno, o empregador deverá delimitar sua conduta em outras regras de proteção jurídica, que impõem o “dever-se” nesta relação, o qual, se violado, ensejará a respectiva sanção”(23).

Assim, e apesar de inexistir uma norma específica dispondo e identificando o assédio moral, suas conseqüências e sanções, deverão ser aplicadas outras normas por analogia, impondo ao empregador o cumprimento fiel à proteção jurídica de direitos dos trabalhadores, limitando sua conduta, com ditames trabalhistas, como a implicância da rescisão indireta, previstas na norma do art. 483 da CLT com a conseqüente indenização, aí incluída, é claro, a indenização pelos danos materiais e morais sofrido pelo trabalhador em face do maltrato do empregador.

Notas:

1. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 62.

2. Como por exemplo, a Lei 9.029/95 que trata da proibição da discriminação no campo das relações trabalhistas.

3. Vide, por exemplo, o que dispõem os arts. 157 e 483 da CLT e os termos da Convenção 155 da OIT, incorporada ao ordenamento jurídico nacional por força da aprovação pelo Congresso Nacional, com posterior publicação (sanção) através de Decreto expedido pelo Presidente da República. Referida normativa internacional tem força de norma constitucional, em razão do que dispôs da Emenda Constitucional 45/2004, pois trata de direitos fundamentais do trabalhador.

4. MONTEIRO BARROS, Alice. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 871.

5. Lembram Orlando Gomes e Elson Gottschalk que a resolução é dissolução do contrato em conseqüência de inexecução por parte de um dos contratantes, por sua culpa, ou não reclamando assim, intervenção judicial, enquanto a resilição ou rescisão éa cessação dos efeitos de um contrato pelas partes, ou por uma delas, independentemente de intervenção judicial. GOMES, Orlando et al. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 398-399.

6. Todavia, em matéria laboral essa distinção não oferece maior interesse, na medida em que a nulidade determinante da rescisão não se opera retroativamente no contrato de trabalho, pois salvo quando ilícito o objeto da prestação de serviços, o pacto produz efeitos plenos com relação ao trabalhador, máxime quando esteja de boa-fé, em que pese o injurídico e injusto entendimento constante do Enunciado 363 da Súmula predominante perante o Col. TST que, espera-se seja revisto. Referido entendimento na prática pune o trabalhador que de boa-fé prestou serviços ao Poder Público ainda quando contrata sem concurso por culpa exclusiva do Administrador que tem o dever de não contratar sem a observância dessa exigência. De acordo com o previsto no § 6º do art. 37 da Carta de 1988 é o Administrador quem deve ser sancionado, na medida em que foi ele quem violou a lei e o texto expresso da Constituição, não assim o trabalhador que mesmo contratado sem concurso, alienou de boa-fé a sua força trabalho em proveito do ente público.

7. Deve-se lembrar que o Projeto de Lei n. 5. 970/2001, de autoria do Deputado Inácio Arruda, alterando a redação do art. 483 da CLT acrescenta a letra g ao aludido preceito legal criando mais uma hipótese de rompimento indireto do contrato de trabalho por culpa do empregador, baseado na falta grave constituída pela prática de assédio pelo empregador ou seus prepostos, contra o trabalhador, caracterizado pela “coação moral, através de atos ou expressões que tenham por objetivo ou efeito atingir sua dignidade e/ou condições de trabalho humilhantes ou degradantes, abusando da autoridade que lhe conferem suas funções”. Nessa hipótese, de acordo com o Projeto, o empregado poderá pleitear “a rescisão de seu contrato e o pagamento das respectivas indenizações, permanecendo ou não no serviço até final decisão do processo”. É claro que essas indenizações não estão limitadas àquelas decorrentes do rompimento do contrato por culpa do empregador previstas nas normas laborais, mas também as decorrentes dos danos morais e materiais que o ato ilícito do empregador ou seus prepostos possa ter causado ao empregado (arts. 186 e 927 do Código Civil combinado com os arts. 2º e 483 da CLT. E isso fica expresso no art. 3º do Projeto, na medida em que acresce ao art. 484 da CLT o art. 484-A, prevendo que se a “rescisão de contrato de trabalho for motivada pela prática de coação moral do empregador ou de seus prepostos contra o trabalhador, o juiz aumentará, pelo dobro, a indenização devida em caso de culpa exclusiva do empregador”.

8. GODINHO DELGADO, Maurício. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 1216.

9. De acordo com o art. 3º da Lei 8.080/90: “A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País”, enquanto no seu Parágrafo único, complementando o conceito acrescenta que “dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social”.

10. SÁ DA ROCHA, Júlio César de. Direito Ambiental e meio ambiente do trabalho: dano, prevenção e proteção jurídica. São Paulo: LTr, 1997, p. 30. No mesmo sentido vele consultar MELO, Sandro Nahamias. Meio ambiente do trabalho: Direito fundamental. São Paulo: LTr, 2001, p. 28-29.

11. Desse entendimento comparte José Afonso da Silva ao afirmar que a “proteção de segurança do meio ambiente de trabalho significa proteção do meio ambiente e da saúde das populações externas aos estabelecimentos industriais, já que um meio ambiente interno poluído e inseguro expele poluição e insegurança externa”. SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 5.

12. A respeito do conceito de saúde (física e mental) do trabalhador vide o valioso trabalho de autoria de Antonio Arraes Branco Avelino e Jéferson Antonio Baqueti, sob o título Proteção Jurídica à Saúde Mental dos Trabalhadores. Assédio Moral, publicado na Revista Unigran. Dourados: Editora Unigran, v. 7, n. 13, Jan./Jun., 2005, p. 95-125.

13. URIARTE, Oscar Ermida. Caracteres, tendencia y perspectivas del Derecho del Trabajo en América Latina e en Europa. In: Revista de Derecho Social Latinoamérica. Buenos Ayres (Argentina): Bormazo Latinoamericana, v. 1, 2006, p. 7-27.

14. BAYLOS, Antonio. Direito do Trabalho: Modelo para armar. Trad. Flávio Benites e Cristina Schultz. São Paulo: LTr, 1999, p. 117.

15. Art. 1º, inciso IV e 170, da Carta de 1988.

16. Arts. 5º, 6º e 196 da Constituição.

17. VALDÉS DAL-RÉ, F. Los derechos fundamentales de la persona del trabajador. In: Revista Derecho Laboral. Montevideo: I, XLVI, n. 211, 2003, p. 650.

18. GODINHO DELGADO, Maurício. Ob. cit., p. 1216.

19. MONTEIRO BARROS, Alice. Ob. cit., p. 897.

20. Por exemplo, naquelas previstas na Lei 9.029/95.

21. Especialmente na Convenção 111/OIT.

22. PEZZUTO RUFINO, Regina Célia. Assédio moral no âmbito da empresa. São Paulo: LTr, 2006, p. 27.

23. PEZZUTO RUFINO, Regina Célia. Ob. cit. p. 91.


Texto confeccionado por
(1) Francisco das C. Lima Filho

Atuações e qualificações
(1) Juiz Titular da 2ª Vara do Trabalho de Dourados - MS. Mestre em Direito pela Universidade de Brasília - UNB (Brasília). Mestre e doutorando em Direito Social pela Universidad Castilla-la Mancha - UCLM (Espanha). Professor no Centro de Ensino Universitário da Grande Dourados - UNIGRAN (Dourados - MS).

 

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