domingo, 30 de junho de 2013

Clamor do povo fez resposta ser rápida, mas fiscalização é essencial Onda de protestos levou os três poderes a atender de imediato as demandas da sociedade. Para analistas, é preciso agora fiscalizar as ações

Clamor do povo fez resposta ser rápida, mas fiscalização é essencial Onda de protestos levou os três poderes a atender de imediato as demandas da sociedade. Para analistas, é preciso agora fiscalizar as ações

Publicação: 30/06/2013 06:00 Atualização: 30/06/2013 08:39
Juliana Cipriani


Político corrupto atrás das grades, votações rápidas de projetos de lei que respondem a demandas da sociedade, transparência e redução de preços no transporte público. Se até três semanas atrás isso parecia utopia para os brasileiros, depois da onda de protestos que levou mais de um milhão de pessoas às ruas do país, hoje virou realidade. A pressão foi forte e a resposta dos políticos, alvos do grito de insatisfação, imediata. Para analistas políticos, o recado, que anunciou uma crise de representatividade, já foi percebido e é hora de os movimentos evoluírem para formas mais permanentes de cobrança. Dessa evolução ou não, vai depender a continuidade da postura ativa percebida nos últimos dias no Executivo, Legislativo e Judiciário.

Para o cientista político da Universidade de São Paulo (USP) Rubens Figueiredo, a onda de protestos no país, que ganhou força a partir do dia 6, quando o Movimento Passe Livre levou 2 mil pessoas às ruas da capital paulista, foi surpreendente. “Havia uma insatisfação latente na sociedade que não foi captada por analistas ou institutos de pesquisa. Essas manifestações têm uma vertente econômica, porque as pessoas estão consumindo menos e devendo mais, e o lado dos governos, longe de dar respostas àquilo que faz as pessoas sofrerem.” As respostas, assim como os protestos crescentes, vieram de todo o Brasil. Desde a presidente, que anunciou pactos nas áreas de transporte, educação, saúde, responsabilidade fiscal e o plebiscito para uma reforma política, até governadores e prefeitos que reduziram custos de passagens de ônibus (veja quadro).

Para Figueiredo, houve uma chacoalhada institucional. “Nunca um movimento teve resultados tão rápidos. Nem na marcha de 1968, nem nas Diretas Já ou no pedido de impeachment do Collor”, avalia. O Legislativo tirou a poeira de propostas que dormiam nas gavetas sem perspectiva de aprovação. Para que tudo isso ocorresse houve milhares de eleitores com demandas diversas nas ruas, mas também houve quebradeira de grupos infiltrados nos protestos. “Isso atrapalha, porque a sociedade pode criar resistência contra os movimentos. O povo não quer isso”, disse o professor. Segundo ele, os movimentos escolheram pontos simbólicos, como sedes do Executivo e Legislativo, para demonstrar com quem estavam descontentes e a resposta veio. Agora é o momento de trégua. “É difícil ter um movimento dessa amplitude, com esse ímpeto, defendendo tanta coisa, durante muito tempo. Já está se acalmando”, afirmou.

Para a professora de Ciências Políticas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Helcimara Teles, os movimentos refletem não uma crise, mas um problema de vínculos escassos entre partidos e eleitores, o que leva a organizações como essas. “Eles têm muito potencial criativo de pressionar, mas, por outro lado, não conseguem formar uma organização futura, a médio prazo, capaz de manter essa fiscalização que se deve ter no sistema democrático”, avalia. Ela considera “problemático” o fato de parcelas majoritárias desses manifestantes ter feito uma proposta antipartidária. “Trazer uma pauta contra partidos é um risco para a democracia, porque eles são parte essencial do sistema.”

O fato de as ruas terem cobrado elementos como transparência dos poderes públicos levou a uma resposta ágil, mas, para Helcimara, ainda não é suficiente. “Melhor resposta seria introduzir elementos maiores de participação direta que convivam com a democracia representativa, como a introdução de plebiscitos e referendos não em situações excepcionais como hoje, mas que sejam rotineiros. Também é preciso adotar mais elementos de fiscalização do poder público”, afirma. Um perigo apontado pela professora é que, no Brasil, os movimentos sem líderes e contra tudo podem resultar na emergência de candidatos outsiders, ou seja, alguém que, ocupando um vácuo institucional, aparece como uma espécie de salvador da pátria. “Em 1989 apareceu o Fernando Collor, como um caçador de marajás. Agora pode aparecer um caçador de mensaleiros. Essa característica de desencanto sempre favoreceu lideranças neopopulistas.”

Para a professora, com as respostas do Congresso e Executivo, e as ações nas esferas estadual e municipal, é hora de os manifestantes saírem das ruas. “A resposta foi bastante positiva e várias demandas foram votadas com agilidade. Ficar na rua o tempo todo é uma solução da Argentina, que não é a melhor, fazendo piquete e não reconhecendo o espaço institucional. A classe política já mostrou que entendeu o recado”, afirma.

Recado dado
O mesmo pensa o coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas, Robson Sávio Reis Souza. “A sociedade precisa esperar um pouco a reação dos outros poderes. É difícil fazer mobilização por tanto tempo, mas o recado está dado, que a democracia representativa não pode se distanciar do que o povo coloca como prioridade”, diz.

Ao questionar os gastos com a Copa das Confederações, por exemplo, o povo mostrou que não está satisfeito quando os governos mostram rapidez para construir estádios que vão servir a poucos enquanto são morosos com políticas fundamentais como as de saúde, educação e segurança pública. Para Robson Sávio, os protestos mostraram o poder de mobilização da classe média e das redes sociais, mas é preciso evoluir. “O Parlamento só é pró-ativo quando percebe que o cidadão está monitorando suas ações. Espasmos de protestos servem para acordar as instituições, mas o que vai modificar é o processo de acompanhamento sistemático”, disse.

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