domingo, 22 de setembro de 2013

Falhas na fiscalização permitem ONGs e Oscips lesar cofres públicos Por causa das falhas na fiscalização de convênios faz do Brasil um país que não presta contas do dinheiro público



Publicação: 22/09/2013 00:12 Atualização: 22/09/2013 08:26
Leandro Kleber

Carro apreendido na Operação Esopo, da Polícia Federal: Oscip acusada de comandar fraude de R$ 400 milhões  (Polícia Federal/Divulgação)
Carro apreendido na Operação Esopo, da Polícia Federal: Oscip acusada de comandar fraude de R$ 400 milhões

Brasília – Alvos constantes de denúncias de corrupção, as entidades privadas sem fins lucrativos – como organizações não governamentais (ONGs) e organizações da sociedade civil de interesse público (Oscips) – que firmam convênios com os ministérios passam longe de controle efetivo por parte do poder público. Apenas este ano, o governo federal já pagou mais de R$ 3,7 bilhões a essas instituições. De acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU), um em cada quatro convênios nem sequer tem a prestação de contas entregue à área técnica do órgão após o vencimento do prazo contratual.

Outro problema é que metade da documentação apresentada pelas entidades é feita com atraso, mesmo considerando as prorrogações de prazo concedidas. Nos últimos cinco anos, o governo firmou 8 mil convênios com essas instituições. Os órgãos de controle interno do Executivo não sabem precisar, porém, quantas prestações de contas estão na fila para serem fiscalizadas pelos gestores.

Em meio ao escândalo descoberto este mês pela Operação Esopo, da Polícia Federal, em que uma Oscip teria sido usada para desviar até R$ 400 milhões dos cofres públicos, o ministro do Trabalho, Manoel Dias, reconheceu que a pasta não tem estrutura para fiscalizar o dinheiro repassado a ONGs. Ele disse que pediria ao Ministério do Planejamento a abertura de concurso público para aumentar o quadro de pessoal e prometeu realizar um mutirão para avaliar as documentações apresentadas pelas entidades.

A falta de pessoal nas áreas técnicas responsáveis por analisar os contratos se repete em outros ministérios. As prestações de contas – documentação entregue pelas entidades para comprovar a execução dos serviços com o dinheiro público – são pouco ou mal fiscalizadas. Além disso, o mau acompanhamento ao longo da execução do convênio acaba prejudicando o trabalho final de análise das contas. Caso sejam encontradas irregularidades, cabe aos gestores cobrar, por exemplo, a devolução da verba mal utilizada. As entidades podem também ser incluídas no cadastro de inadimplência da União e na lista de proibidas de serem novamente contratadas pelo Estado.

O Ministério da Educação (MEC) foi a pasta que mais repassou recursos a entidades sem fins lucrativos este ano: R$ 1,2 bilhão. A Saúde aparece como a segunda que mais direcionou verba a essas instituições, R$ 772 milhões, seguida pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, com R$ 671 milhões liberados. Procurados pela reportagem, apenas o MEC respondeu os questionamentos sobre o assunto. Segundo a pasta, do valor total, “R$ 1,09 bilhão foram destinados a entidades do Sistema S (Senac, Senai, Senar e Senat), participantes do Pronatec. Sob sua estrutura, ainda há dinheiro liberado para instituições como Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apaes)”.

De acordo com um boletim sobre informações gerais do Ministério do Planejamento, em 2013 a União fez 6.372 transferências voluntárias. A pasta, porém, não informou à reportagem quantas prestações de contas foram rejeitadas nos últimos anos.

Também procurada, a Controladoria Geral da União (CGU) não precisou quantas contas os gestores dos ministérios bloquearam nos últimos anos. A assessoria de comunicação do órgão argumentou, apenas, que o número de convênios firmados caiu significativamente após 2010, “pois foram editadas algumas medidas para proporcionar maior controle”. A quantidade passou de 3,1 mil contratos, naquele período, para 1,2 mil no ano passado.

CAIXA DE CAMPANHA Para o professor de finanças públicas da Universidade de Brasília (UnB) José Matias Pereira, o sistema de controle dos órgãos públicos é falho, o que possibilita que transferências voluntárias do governo sejam usadas como instrumento de captação de recursos de grupos com interesses políticos e privados. “Politicamente, é conveniente ter um sistema vulnerável para que esse tipo de coisa aconteça: recursos mal aplicados, mal direcionados e mal acompanhados. Por trás disso tudo está o sistema de coalizão presidencial baseado na entrega de ministérios a partidos. O interesse é arrecadar recursos para campanhas políticas”, critica o professor.

Os ministros do TCU votaram em plenário, na quarta-feira, a favor de um processo que teve diversos problemas no portal de convênios do governo federal, o Siconv. De acordo com o documento, sob a relatoria de Ana Arraes, há falhas que vão desde o cadastramento das entidades privadas sem fins lucrativos até repasses a ONGs cuja composição societária inclui servidores públicos do órgão repassador dos recursos e a liberação de dinheiro para inadimplentes – práticas proibidas por portarias.

Quase a metade dos convênios verificados na auditoria feita em 2012 não apresenta sequer um parecer sobre o plano de trabalho a ser executado com o dinheiro público. A equipe do TCU identificou ainda indícios de que 80 pagamentos foram feitos em favor de clubes e associações de servidores, o que também é vedado por normas do Poder Executivo.

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