Demorou, mas se tudo correr como planejado, Belo Horizonte terá este ano não apenas uma virada cultural, evento que promove atividades em 24 horas ininterruptas, mas sim três. Nos próximos meses, a começar ao meio-dia do dia 23 de junho, durante o Festival Internacional de Teatro Palco & Rua (FIT-BH), a capital mineira poderáexperimentar o que é permanecer “acordada” e agitada por uma maratona de expressões artísticas em diversos espaços e regiões da cidade, e com atividades para diferentes tipos de público.
A ideia já é praticada ao redor do mundo e, no Brasil, foi testada com sucesso em São Paulo. Só o tempo dirá se as viradas com sotaque local darão certo e vão perdurar ou se é um modismo, mas vale a pena se preparar para o que vem por aí. Além das atividades durante o FIT, promovidas pela Prefeitura de BH, haverá outra virada prevista para julho, dessa vez organizada pelo governo do Estado, no Parque Municipal e Palácio das Artes. Em setembro, a capital volta a ser palco de outro evento semelhante, graças ao Projeto de Lei 1746/2011, de autoria do vereador Daniel Nepomuceno (PSB-MG), que institui oficialmente a Virada Cultural no calendário anual do município.
A intenção de tornar a capital mais cosmopolita tem mexido com a imaginação de produtores culturais, agentes públicos e da população. O FIT, que se aproxima, será um bom teste para a proposta. “A cidade tem condições de aceitar o convite para essa celebração”, aposta Marcelo Bones, diretor artístico do festival. O local escolhido para a primeira maratona é a Região Central, no eixo compreendido entre a Funarte (próximo à Praça da Estação) e o Teatro Marília (Avenida Alfredo Balena). A promessa é de que a cada hora ocorra uma ação cultural, chamando a atenção para quem deseja permanecer ligado nas atrações. O pacote inclui, além de apresentações teatrais, atividades como shows musicais e projeção de filmes.
A Virada Teatral, como o evento do FIT está sendo chamado, começará com a peça Mania de explicação, no Teatro Francisco Nunes, que depois de três anos fechado para reformas volta a funcionar temporariamente na ocasião. A apresentação dividirá a atenção do público com intervenções simultâneas no Parque Municipal. Estão planejados os espetáculos Ópera dos vivos (São Paulo),Domínio público (Espanha), Translunar paradise (Inglaterra), Por que a gente não é assim? Ou por que a gente é assado? (Fortaleza) e, de Belo Horizonte, Ressonâncias e Palhaços à vista.
A festa durante o Festival Internacional de Teatro terá como destaque, na madrugada do dia 24, uma sessão de cinema com a pré-estreia de Evoé – Retrato de um antropófago. O documentário, que será exibido no Parque Municipal, na Praça dos Patins, tem como tema o diretor, ator e dramaturgo José Celso Martinez Corrêa, fundador do Teatro Oficina, de São Paulo. Dirigido em 2011 por Tadeu Jungle e Elaine César, o filme mistura depoimentos recentes e imagens históricas da carreira de Zé Celso. “A expectativa não é de público imenso, mas de mostrar a cidade para as pessoas que topem a proposição de passar muito tempo disposta a ver arte”, avalia Bones.
Outros palcos O evento do FIT servirá de teste para as outras propostas semelhantes que prometem ocupar de diferentes maneiras a capital. Previsto para um mês depois da Virada Teatral, outro evento com o mesmo espírito novamente ocupará o Parque Municipal e o Palácio das Artes. Batizado de
Noite Branca, numa referência à Nuit Blanche, ação semelhante realizada em Paris, o evento mineiro terá orçamento previsto em R$ 1 milhão e atividades gratuitas, ainda em fase de definição, com prioridade para a produção contemporânea.
A tentativa de testar Belo Horizonte e seus equipamentos culturais para um evento de grande proporção durante 24 horas foi o que inspirou o vereador Daniel Nepomuceno a propor a Virada Cultural no calendário do município. O projeto entrará definitivamente na agenda no feriado de 7 de setembro. A julgar pela animação durante a última audiência pública que discutiu o assunto, a expectativa do setor é grande. “Será feito, prioritariamente, por artistas de rua de BH e de Minas e deverá atender todas as regionais. Vamos criar uma comissão do poder público para dar suporte às atividades”, adianta o vereador.
Ao contrário das outras viradas culturais que são baseadas em projetos pontuais e ficam à mercê de patrocínio, o projeto da PBH tem mais chance, se der certo, de perdurar. Ainda sem orçamento definido, a iniciativa deverá utilizar como base as atrações escolhidas nos editais trimestrais de seleção de atividades artísticas, promovidos pela Empresa Municipal de Turismo, a Belotur. “A prefeitura está dando um grande passo para levar a família para as ruas. Tudo, é claro, dentro dos limites da Lei do Silêncio. A virada não será baderna, pelo contrário. Vamos ocupar a cidade inteira oferecendo palco aos que menos têm”, conclui.
Noite canadense
Thaís Pacheco
Em 2007, durante o outono canadense, a cidade de Toronto realizou uma edição do evento Nuit Blanche. Sob o slogan “Uma noite inteira de arte contemporânea grátis”, parecia imperdível. E foi. Fiz exatamente como sugeria a programação: comecei às 19h e só parei às 7h. A cidade inteira estava tomada de arte, dividida em três áreas, correspondentes a três regiões da cidade. Lembro-me de ver, dentro de um shopping, Noite de São João, obra da artista plástica mineira Laura Belém. Na Galeria de Arte de Ontário, que em dias normais exibe esculturas de Auguste Rodin, naquela noite exibia o show de uma drag queen e uma instalação colaborativa. Durante toda a noite a cidade esteve lotada, as ruas devidamente policiadas e o sistema de transporte público funcionou sem falhas. Foi uma experiência positiva e agradável como consumo de arte. Eventos semelhantes começam a ser pensados para BH. Devem começar mais tímidos. Tomara que dê certo e se amplie. E tomara que haja transporte público pensado especialmente para essas datas.