terça-feira, 29 de maio de 2012

Indústrias geram emprego e renda e mudam paisagem do Norte de Minas



Indústrias geram emprego e renda e mudam paisagem do Norte de Minas"(Zé Bebelo) dizendo que, depois, estável que abolisse o jaguncismo, e deputado fosse, então reluzia perfeito o Norte, botando pontes, baseando fábricas."

Paulo Henrique Lobato - Estado de Minas
Publicação: 24/03/2012 18:02 Atualização: 25/03/2012 07:20
Chaminés de fábrica em Pirapora são o retrato da expansão do setor na região, que já colhe os frutos dos investimentos anunciados (Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Chaminés de fábrica em Pirapora são o retrato da expansão do setor na região, que já colhe os frutos dos investimentos anunciados

Montes Claros, Pirapora e Três Marias – Um dos principais personagens de Grande sertão: veredas, Zé Bebelo, jagunço que sonhava se eleger deputado para levar fábricas ao Norte de Minas, jamais se candidatou a cargo público, mas o parque fabril sonhado por ele como início da redenção econômica daquelas bandas não é mais utopia. Cidades como Montes Claros, Três Marias e Pirapora já contam com respeitados distritos industriais, que não param de atrair empresas, cada vez mais ávidas pelos benefícios fiscais da União, estado e prefeituras. Os aportes mudaram a paisagem do sertão e garantem saltos na geração de empregos em localidades que, na ficção de Guimarães Rosa, despertavam a cobiça da jagunçada, sempre devidamente paramentada com suas reforçadas botinas de couro.

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Hoje, por ironia, uma das novidades mais festejadas no Norte de Minas é a chegada da Alpargatas, fabricante das tradicionais sandálias Havaianas. A fábrica, orçada em R$ 177 milhões, está sendo erguida em Montes Claros e vai ser inaugurada no próximo semestre. A unidade deve gerar cerca de 2,5 mil empregos e terá capacidade para fabricar 110 milhões de pares anuais. Dezenas de homens trabalham atualmente na construção da planta. Muitos vieram de longe, como o laboratorista Franklin Cavalcanti, de 28 anos. Ele trocou os frutos do mar do Recife (PE) para assumir o controle de qualidade da obra na cidade famosa pela carne de sol. “Lá se vão seis meses. O salário é excelente. Não posso revelar o valor, mas veja bem: não foi à toa que deixei o litoral e vim para o interior.”

Perto da futura fábrica, outro empreendimento de peso vai começar a ganhar forma nos próximos meses. A Case New Holland (CNH), do Grupo Fiat, vai erguer uma fábrica orçada em R$ 650 milhões que deve entrar em operação em 2015. O empreendimento abrirá 2,7 mil empregos, entre diretos e indiretos, com capacidade para produzir 6 mil tratores anuais. A 310 quilômetros de lá, mais de uma dezena de fábricas também ocuparam parte do cerrado em Três Marias, cujo distrito industrial foi batizado de Parque Diadorim, homenagem à personagem de Grande sertão “que nasceu para o dever de guerrear e nunca ter medo, e mais para muito amar, sem gozo de amor”.

A área industrial de Três Marias, que se chamava Barreiro Grande e onde Guimarães Rosa começou a viagem para escrever o romance, abriga uma planta da Votorantim, a maior empregadora privada do município (900 trabalhadores), e várias fábricas de pequeno e médio portes, como a AMB Esquadrias Universal, especializada em estruturas metálicas para portões e janelas. O dono do empreendimento, Alair Mendes Bueno, comemora a demanda aquecida: “Em 2012, a meta é expandir cerca de 50%. Para isso, precisarei ampliar o espaço físico e o quadro de empregados”.

A temporada de abertura de empregos também já teve início no distrito industrial de Pirapora, que conta com empresas renomadas, entre elas a Cedro Têxtil e a Ligas de Alumínio S/A (Liasa). As imensas chaminés de algumas indústrias são avistadas de longe. Se, de um lado, a incessante fumaça ofusca parte do claro céu do sertão, de outro, é sinônimo de emprego e renda. Nas fábricas do município, trabalham moradores de Buritizeiro – as duas cidades são separadas pelo Rio São Francisco – e de Barra do Guaicuí, distrito de Várzea da Palma banhado tanto pelo Rio das Velhas quanto pelo Velho Chico.

O jovem Rodrigo Costa da Silva, de 19 anos, é um dos novos trabalhadores do parque industrial de Pirapora. Ele deixou o mercado informal no início de março e migrou para uma grande firma especializada em ferro-silício. “Ganhava a vida como chapa de caminhão. Pela primeira vez, minha carteira de trabalho foi assinada. Meu próximo passo é aproveitar o horário vago para me dedicar mais aos estudos, pois tenho o sonho de me formar em direito”, planeja o rapaz enquanto avista, ao longe, uma floresta de espécie vegetal única. “São eucaliptos”, explica.

A proliferação das plantações de eucaliptos substituiu boa parte do cerrado e das veredas do Norte de Minas. As árvores são destinadas, principalmente, ao abastecimento dos altos-fornos das siderúrgicas. A boa demanda pelos troncos levou algumas empresas especializadas em clonagem de mudas de eucaliptos a instalar filiais na região. O viveiro Boa Vista, por exemplo, chegou a Três Marias há um ano e meio e empregou 35 pessoas. “Há meses em que negociamos 200 mil mudas (a R$ 0,35 cada)”, comemorou o gerente, Lucimar Sampaio. A proliferação das áreas de eucaliptos é assunto polêmico nos dias de hoje. Certamente, se candidato a deputado fosse, Zé Bebelo teria de abordar o tema em sua campanha eleitoral.

Rosianas
Fim do porto
 

 (Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

Riobaldo e Diadorim, os dois principais personagens do romance Grande sertão: veredas, se conheceram num porto no Rio de Janeiro, afluente do Velho Chico, em Silga, povoado de Três Marias. Riobaldo descreveu o local: “(…) é o porto do seo Joãozinho, o negociante. Porto, lá como quem diz, porque outro nome não há. Assim sendo, verdade, que se chama, no sertão: é uma beira de barranco, com uma venda, uma casa, um curral e um paiol de depósito”. Guimarães Rosa conhecia o lugar como poucos: foi de lá que ele começou a viagem, ao lado de Manuelzão. Seu Joãozinho, já falecido, é lembrado por moradores antigos como homem de boa prosa e boa-fé. Já a venda foi fechada há bastante tempo. 

Restaram apenas a casa e o paiol. No imóvel, moram o vaqueiro Joaquim Ferreira e a dona de casa Vera Dias da Silva. “Este é um lugar importante, mas precisa ser reformado. O estado da casa não é nada bom. Só que não tenho a mínima vontade de sair daqui”, disse a mulher enquanto aguardava o marido guiar algumas cabeças de gado ao curral da propriedade vizinha, onde trabalha.

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