quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Educadores de diferentes escolas mineiras inovam em processos pedagógicos Vale usar música, teatro e até costura para que alunos se envolvam mais com as disciplinas

Educadores de diferentes escolas mineiras inovam em processos pedagógicos Vale usar música, teatro e até costura para que alunos se envolvam mais com as disciplinas

Márcia Maria Cruz - Estado de Minas
Publicação: 15/10/2012 06:43 Atualização: 15/10/2012 06:48

Alunos do Colégio Santa Marcelina, na Pampulha, tiveram aulas de corte e bordado para estudar a ditadura militar ( (Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press))
Alunos do Colégio Santa Marcelina, na Pampulha, tiveram aulas de corte e bordado para estudar a ditadura militar
A composição Sonho impossível, de Chico Buarque, é apresentada na afinação certa, apesar de as estudantes Maria Gabriela Vieira, Lígia Alves, ambas de 13 anos, e Nayla Guerra, de 14, não conseguirem conter as lágrimas enquanto cantam. Os versos “lutar quando é fácil ceder. Vencer o inimigo invencível. Negar quando a regra é vencer. Sofrer a tortura implacável. Romper a incabível prisão” não soam apenas como rimas ricas para elas, mas são a expressão de um dos maiores compositores brasileiros, eternizada também na voz de Maria Bethania, sobre período de repressão no país. A paixão das adolescentes por Chico, Geraldo Vandré, Caetano Veloso e Gilberto Gil nasceu durante aulas de aprofundamento em história, ministradas pela professora da disciplina no Colégio Santa Marcelina Kátia Peifer, de 46. Ontem, o EM mostrou o perfil de docentes que são referência em Minas. Hoje, data em que se comemora o Dia do Professor, a reportagem traz exemplos de processos pedagógicos que rendem frutos.

Kátia mudou toda a rotina da escola quando propôs ensinar história usando métodos nada convencionais: levou para a sala de aula um violão, desafiou os alunos a soltarem a voz e a veia de interpretação. Também os colocou diante de uma máquina de costura para confeccionarem figurino para uma instalação, que iria usar música e teatro para falar sobre o período da ditadura militar no Brasil. A inspiração para as roupas foram as coleções da estilista mineira Zuzu Angel, que lutou contra o assassinato do filho, Stuart Angel Jones, por meio da moda. “Muita gente pensa que o Colégio Santa Marcelina é uma escola rígida, a Kátia veio inovar. A escola toda se envolveu, do 7º ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio. Ela é uma professora diferente”, afirma Maria Gabriela. No começo, apenas três se interessaram pelo grupo de aprofundamento em história, uma vez que a maioria deu prioridade a matérias como matemática. Aos poucos, o grupo atraiu a atenção dos colegas e o trabalho começou a dialogar com outras disciplinas.

História
Ao criar figurinos para a peça de teatro, as meninas costuravam os pássaros que marcaram as roupas produzidas por Zuzu. Nos corredores, cantarolavam as músicas de Chico e comentavam os documentários nas horas do intervalo. Não teve quem não quisesse descobrir que história estava sendo construída por aquela turma empolgada. “Alguns alunos odiavam história, mas passaram a gostar”, lembra Laís Nogueira, de 13. Sentados em roda ao lado de Kátia, sempre com o violão à mão, todos querem falar da experiência. “O diferencial da Kátia é que ela mostra os vários lados da história”, garante Anna Carolina Coutinho.

Ao chegar à sala de aula, Kátia começa com um sonoro “bom-dia, vida!”. Procura saber as particularidades de cada um de seus alunos e inclusive extrapola a relação para as mídias sociais. A professora descobriu o prazer em ensinar quando fazia o magistério e teve o primeiro encontro com a obra de Paulo Freire. “Pensei que queria ensinar. Entendi que ser professor é ter uma função social”, pontua. Mas nem tudo são flores. Kátia reconhece que a relação entre aluno e professor não deve ser apenas de consensos. “Faço questão de preservar a identidade de cada um. Garanto a palavra a todos”, completa.

Didática
Kátia se destaca pela inovação nas práticas pedagógicas. Para a professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FAE/UFMG) Amarilis Coelho Coragem, a didática é o modo que se organiza o conteúdo e o conhecimento na sala, de maneira a proporcionar o encontro entre professor e aluno. “A arte abre canal para a construção de uma relação de sensibilidade, com espaço para a subjetividade. Não tem resposta única. Com arte, cada caso é um caso. Não tem certo ou errado”, diz. A especialista lembra que nem sempre é fácil gerenciar essa forma de dar aula, mas a ousadia na implementação da didática pode dar abertura para a promoção do aluno.

É o que faz a professora do Colégio Dona Clara, Gisele Pedrosa, de 42. Conhecida entre os alunos como Tia Fadinha, ela acredita que, por meio de músicas, teatro e artes plásticas consegue se comunicar melhor com seus alunos. Meninos com idades de 3 a 10 anos são apresentados a obras clássicas como os Doze girassóis numa jarra, de Van Gogh. Na sequência, são instigados a fazer releituras dos quadros e com isso aprendem noções de cor, perspectiva e de história das escolas de arte. “Não são cópias. Os meninos são muito autônomos. Até por isso, alguns demoram para se soltar.” A professora pede aos alunos que construam um portfólio com imagens, ingressos e fotos de todas atividades de entretenimento de que participam extraclasse, seja uma visita ao zoológico, a um museu ou a uma exposição de quadros.

Aprendizado com prazer

A professora Cássia Regina Puff de Oliveira, de 39 anos, pega todos os folhetos de ofertas de supermercados e shoppings que encontra pela frente. Também não deixa escapar lacres de latas de refrigerantes. Tudo é material didático. A partir dos produtos apresentados nas propagandas, trabalha com seus alunos a aplicação de unidades de medidas, como litro, quilo, metro entre outros. Também ensina multiplicação e outras raciocínios lógicos ao propor problemas a partir dos anúncios.

Cássia leciona na Escola Municipal Desembargador Loreto Ribeiro de Abreu, no Bairro Ribeiro de Abreu, na Região Nordeste de Belo Horizonte. A escola está em uma área de vulnerabilidade social e ela procura oferecer aos seus alunos a mesma oportunidade de aprendizado de crianças que estudam em instituições privadas. “A matemática tem que chegar até eles de forma prazerosa”, diz. Para isso, procura relacionar fórmulas e contas à vida dos estudantes. As turmas são falantes, mas isso para ela não significa indisciplina. “A turma que conversa muito não engole qualquer coisa. Por isso, tenho que inovar. Se eles compram a ideia, o trabalho será superbacana”, diz.

Em São Tiago, no Campo das Vertentes, a atenção de Alda Paiva de Castro, de 35, e Ronaldo Antônio de Castro, de 37, às demandas dos alunos fez com que a Escola Estadual Afonso Pena Júnior criasse um projeto de robótica. Sob a orientação dos dois professores, que são casados, a equipe Café-com-Byte-Júnior conquistou dois troféus em uma das maiores competições de robótica do mundo: a RoboCup 2012, realizada no México, em junho.

Para conseguir os primeiros kits para montagem de robôs (que custam em média R$ 1,8 mil), os professores mobilizaram toda a comunidade escolar para arrecadar fundos. Construíram o primeiro e participaram de uma competição em Varginha. Como os alunos se destacaram, o projeto se ampliou, o grupo participou de outras competições e o número de alunos passou de quatro para 26 no período desde que o projeto começou.

ENTREVISTA: AMARILIS COELHO CORAGEM, PROFESSORA DA fACULDADE DE EDUCAÇÃO DA UFMG

“Vale investir na docência”Amarilis Coelho Coragem é professora de outras professoras na Faculdade de Educação da UFMG. A experiência em sala de aula a levou a pesquisar o discurso didático do educador de artes visuais no seu doutorado. A pesquisa aponta caminhos sobre como tornar o encontro entre alunos e professores favorável para a construção do conhecimento.

A docência é uma vocação?

A vocação é algo construído. Não tinha intenção de ser professora. Não me achava desenvolta. Foi na sala de aula que me descobri. Quando se dedica a alguma coisa e tem uma resposta positiva, satisfatória, você investe. O sucesso de uma aula é dividido entre professor e aluno. Não é somente o professor responsável e alvo de todas as glórias de uma aula bem-sucedida. É uma relação. Daí que a adequação da proposta da aula é importante. O professor deve se organizar levando em conta o interesse e necessidade do aluno. Certamente, terá um bom diálogo.

Como é ser professora de professoras?

É muito interessante. Muitos vão ao curso de formação sem a intenção de ser professora. Matriculam na licenciatura em um segundo momento da vida. Muitas vezes querem formação universitária, mas sem intenção de ir para a sala de aula. Procuro mostrar a necessidade e a função social do trabalho de professor. Tenho tido bons resultados ao final do curso. Muitos me dizem: ‘Poxa, professora, estou gostando de ensinar.’ O melhor resultado é quando ele, um futuro professor, vê valor nisso. Percebe que a docência é algo importante e que vale investir.

A relação entre aluno é professor é pautada na ética e em valores. Como construir essa relação no dia a dia?

Procurando respeitar o diferente. Nunca vou para a sala com uma proposta fechada. A relação se constrói ao longo do curso. Levo propostas e não modelos.

Alguns professores se queixam de não ser valorizados. Você concorda com isso?

Não do ponto de vista das relações pessoais. Sinto que o bom professor cria amigos para sempre. Também constrói respeito e admiração. Muitos alunos dizem que o professor mudou a vida dele. Ser professor é ter oportunidade de marcar a vida das pessoas. É uma grande responsabilidade.

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