sexta-feira, 30 de março de 2012

EXEMPLO A SER SEGUIDO. MARCO MARCAO CAVALCANTE. Professora aposentada dá lição de dedicação em Belo Horizonte Aos 90 anos, a professora aposentada Anneunyce Mól Starling Albuquerque, a dona Ninice, faz da alfabetização a sua forma de iluminar a vida das pessoas

Professora aposentada dá lição de dedicação em Belo Horizonte Aos 90 anos, a professora aposentada Anneunyce Mól Starling Albuquerque, a dona Ninice, faz da alfabetização a sua forma de iluminar a vida das pessoas
Publicação: 30/03/2012 07:12 Atualização: 30/03/2012 10:55
 (Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)

O tempo deixou marcas no rosto e nos cabelos, mas a memória se mantém prodigiosa. Aos 90 anos, lúcida e em plena atividade, a educadora Anneunyce Mól Starling Albuquerque se revela uma vigorosa senhora das letras. Mesmo depois da aposentadoria por 42 anos de serviço como professora da educação básica, a dona Ninice, como é carinhosamente chamada, insiste em fazer jus ao dom de ensinar. As horas livres do dia, ela dedica à alfabetização de crianças – bisnetos ou filhos de suas ajudantes – e cada nova sílaba ou palavra formada sob os seus cuidados é comemorada como uma grande vitória.

“Transmitir o saber é algo que me toca. Sinto a emoção de ajudar o outro a vencer”, diz a simpática e risonha senhora, natural do distrito de Saúde de Alvinópolis, hoje município de Dom Silvério, na Zona da Mata mineira. Mãe de 10 filhos e com 16 netos e dois bisnetos, ela se orgulha de ter participado da educação de toda a família, desde o beabá até o diploma no curso superior, e de ter dado a sua contribuição para o ensino da cidade de Manhumirim, também na Zona da Mata, onde cresceu e viveu até meados da década de 1990.

O primeiro contato de Anneunyce com a arte de lecionar ocorreu nos idos da década de 1930. Aos 13 anos, ela improvisou uma sala de aula no quarto de hóspedes da casa dos pais, no Centro de Manhumirim, e começou a alfabetizar as empregadas domésticas de vizinhas. Em pouco tempo, deixou de ser uma aluna aplicada para se transformar em jovem professora. Naturalmente, os caminhos a levaram ao curso de magistério no Colégio Santa Terezinha. Depois da formatura, ela foi contratada como educadora do Colégio Pio XI, também em Manhumirim. “Na época, o padre Júlio Emílio tinha acabado de fundar a escola e mandou um bilhete ao meu pai pedindo autorização para que eu trabalhasse com ele. Fiquei tão grata a esse homem que me abriu as portas da profissão que batizei meu primeiro filho, nascido em 1946, com o nome dele”, conta.

DESBRAVADORA


Nos anos 50, já casada com o comerciante Auro Henrique Albuquerque, dona Ninice mudou de emprego para se dedicar à educação pública. No Grupo Escolar Alfredo Lima, ela assumiu a função de alfabetizadora das turmas de 1º ano. “Sempre tive dom para lidar com a infância. Para mim, o desafio é buscar na criança o potencial dela e, a partir daí, expandir os conhecimentos. É como se eu lapidasse uma pedra preciosa”, resume ela. Sem medo de desbravar novos horizontes, Anneunyce encarou o desafio de, mesmo com os filhos pequenos, estudar na capital para se formar em biblioteconomia pelo Instituto de Educação de Minas Gerais. “Eu viajava a noite toda para assistir às aulas. Numa dessas vindas a Belo Horizonte, nasceu minha filha caçula, longe do restante da família. Por isso, a chamo de ‘minha bibliotecariazinha’”, diz, se referindo à filha Ângela, hoje advogada.

Depois do curso na capital, Anneunyce foi nomeada bibliotecária do Grupo Escolar Alfredo Lima e passou a acumular também a função de inspetora escolar rural, mas sem nunca deixar de lado a alfabetização de crianças. “Montei uma biblioteca em casa e ajudava os alunos que tinham mais dificuldade em acompanhar as aulas. A gente estudava junto.” Com experiência em ensino, ela vê com ressalvas as mudanças na história da educação e contesta o atual modelo de aprendizagem.

“Houve um aperfeiçoamento da educação, mas falta o carinho entre professores e alunos. Sou de um tempo em que a gente colocava os meninos no colo, os levava para dentro de casa para dar aulas de reforço e conhecia as famílias. Mesmo que a disciplina fosse mais rígida, havia respeito.” Com uma memória quase infalível, ela se lembra com facilidade de datas e acontecimentos. Sintomaticamente, esquece-se justamente do ano da aposentadoria.

“Trabalhei até 1970 e … Que estranho, não consigo me lembrar. Devo ter apagado isso da memória, pois não queria deixar a escola”, brinca Ninice. Depois desse “descanso forçado”, a professora passou a se dedicar a trabalhos voluntários e, até em viagens de férias com o marido e os filhos, reunia crianças na praia para educá-las. “Posso dizer que já alfabetizei pessoas até na areia”, recorda-se.

Aos 75 anos, Anneunyce se mudou para BH para acompanhar o marido em tratamentos de saúde. Mesmo atarefada com os cuidados ao companheiro, encontrou tempo para fazer um curso voltado para a terceira idade na PUC Minas. E, para “refrescar a cabeça”, começou a ensinar a empregada doméstica Almira Ramos, de 42 anos, a ler e a escrever. Funcionária da casa há 13 anos, Almira descobriu o mundo das letras e, hoje, faz questão que dona Ninice acompanhe os primeiros passos da educação das pequenas Vitória e Maria Eduarda, de 3 e 1 ano. “Sou muito grata à Anneunyce por tudo que ela fez e ainda faz por mim e pelas minhas filhas. Ela me mostrou que eu tinha capacidade de aprender e eu me sinto uma vencedora”, diz Almira.

Orgulhosa, dona Ninice abre um sorriso sincero diante dos elogios de Almira. E, depois de tantas décadas dedicadas a um ofício tão nobre, ela tem o prazer de dizer, sem nenhuma modéstia: “Leio muito a história dos heróis da pátria e confesso que me sinto uma heroína por ter ajudado a alfabetizar tantos brasileiros”.

Palavra de especialista
KAROL BERNSTEIN, diretor do Portal Terceira Idade e da Associação Cultural Cidadão Brasil

Vida ativa e saudável

A importância das pessoas se manterem ativas na terceira idade é inegável. Percebemos que, em 99% dos casos, o corpo envelhece, mas a mente não. A maioria se sente muito jovem, mesmo com o passar do tempo e a idade mais avançada. Por isso, ter uma ocupação e uma atividade ajuda a manter a vitalidade. Com o aumento da expectativa de vida da população, é preciso haver uma mudança de mentalidade, pois a velhice pode ser sinônimo de vida ativa e saudável. Cada vez mais, as mulheres fogem do estereótipo da senhorinha que passa os dias tricotando e os homens evitam o modelo do pijama, chinelo e sofá. A velhice, acompanhada de saúde, lucidez e atividade, é sinônimo de qualidade de vida.

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