sexta-feira, 30 de março de 2012

PBH edita norma que exige laudo de segurança de terrenos antes de obras Medida foi tomada após desabamentos de prédios na capital. Porém, redação das novas regras deixa até especialistas confusos

PBH edita norma que exige laudo de segurança de terrenos antes de obras Medida foi tomada após desabamentos de prédios na capital. Porém, redação das novas regras deixa até especialistas confusos
Publicação: 30/03/2012 06:00 Atualização: 30/03/2012 10:17
Entulho e terra prosseguem como ameaça dependurada no barranco do Bairro Buritis. Sudecap admite que obras vão atrasar (Fotos: Cristina Horta/EM/D.A Press)
Entulho e terra prosseguem como ameaça dependurada no barranco do Bairro Buritis. Sudecap admite que obras vão atrasar
Quase três meses depois do desabamento do Edifício Vale dos Buritis, na Rua Laura Soares Carneiro, Bairro Buritis, Oeste de Belo Horizonte, e do prédio da Rua Passa Quatro, no Caiçara, Noroeste da cidade, o prefeito Marcio Lacerda (PSB) alterou o decreto que regulamenta o Código de Edificações do Município. Após prometer que medidas de segurança seriam implantadas para evitar mais desmoronamentos, o chefe do Executivo municipal enfim resolveu incluir a exigência de que um responsável técnico ateste as condições geológicas de estabilidade e segurança do terreno, no momento de liberar uma obra. Porém, várias alterações no documento confundem até mesmo engenheiros e especialistas, principalmente no que diz respeito à responsabilização do proprietário de um imóvel por problemas futuros.

“O proprietário será responsável por zelar pelas condições de estabilidade e de segurança de seu imóvel, por meio de obras ou outras medidas preventivas contra a erosão do solo, o desmoronamento e o carreamento de terra, detritos e lixo”, diz trecho do texto que regulamenta o Código de Edificações. Engenheiros ouvidos pelo Estado de Minas não sabem se a regra se refere ao dono do apartamento construído ou do terreno em que será erguido, por exemplo, um prédio.

Em nota, a PBH respondeu que a princípio, quem responde é aquele que entra com o projeto de edificação. Enquanto a construtora não vende o apartamento, é a responsável. Depois, o comprador passa a ter responsabilidade de zelar pelo imóvel. “O zelo visa justamente a evitar situações extremas, como o desmoronamento. No caso de problema, é o proprietário ou conjunto de proprietários, no caso de prédios, que deve cuidar da reparação necessária”, acrescenta a nota.

Outra dúvida surge logo em seguida, no texto. “O proprietário será responsável por impedir o início das obras da edificação antes que sejam realizadas as obras necessárias para garantir a segurança e estabilização do terreno”, diz o texto. Para o diretor Técnico do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia (Ibape), Clémenceau Chiabi Saliba Junior, há um problema prático. “E se o construtor for o mesmo dono do terreno? Como vai impedir a obra pela qual ele mesmo é responsável?”, questiona o especialista, também integrante da diretoria do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-MG).

Sobre essa questão, a PBH explica que toda obra precisa de um responsável técnico e que cabe a ele fazer o alerta para o proprietário e exigir que preceitos legais sejam cumpridos. Sobre a fiscalização, a nota diz que não há mudanças. “A Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) do laudo geotécnico é exigida antes da aprovação do projeto. Sem ela, o projeto nem chega a ser analisado. E o Alvará de Construção só é emitido após a aprovação do projeto”, completa a nota.

AcertosA medida mais importante, segundo especialistas, é a apresentação de uma declaração “firmada por responsável técnico de que o terreno possui condições geológicas e geotécnicas de estabilidade e segurança, inclusive em relação aos terrenos vizinhos”. Segundo Clémenceau Chiabi, a exigência é um avanço. “Com certeza, já vamos ver um efeito disso nas próximas chuvas. Agora, uma pessoa vai assinar a declaração e se algo acontecer do ponto de vista da estabilidade do solo ou do terreno, quem responde é esse profissional. Ele não vai querer colocar seu nome em um projeto que não seja sério”, diz o engenheiro.

O decreto deixa claro que fornecer informações falsas nesses processos pode trazer prejuízos, como indeferimento ou invalidação do Alvará de Construção, fiscalização e punição administrativa, denúncia do profissional ao conselho de classe, se for o caso, e comunicado à Procuradoria-Geral do Município, que poderá apurar responsabilidades administrativas, cíveis ou criminais. Segundo a PBH, para a aprovação de um projeto já são necessárias, desde ontem, data do decreto, as informações sobre as condições geotécnicas do terreno.

O Sindicato da Indústria da Construção Civil de Minas Gerais (Sinduscom/MG) afirmou, por meio de sua assessoria, que alguns pontos do texto têm interpretação dúbia. Por isso, a entidade preferiu não comentar as mudanças antes de se informar com a prefeitura.


Proteção chega tarde para quem perdeu tudo

Se o decreto da Prefeitura de Belo Horizonte promete aumentar a segurança nas edificações de agora em diante, a providência chega tarde para vítimas dos dois casos de desmoronamento ocorridos na capital em janeiro. Eles continuam sem solução e os únicos prejudicados são os moradores, que só têm a opção de esperar a Justiça para que uma perícia oficial seja feita e aponte as causas dos desabamentos tanto no Buritis, Oeste da cidade, quanto no Caiçara, Região Noroeste. Como já se passaram meses dos dois episódios e os escombros dos edifícios seguem abandonados, os donos dos apartamentos relatam que saques estão ocorrendo com frequência, o que pode atrapalhar a produção dos laudos periciais.

No caso do Vale dos Buritis, a Justiça obrigou a Estrutura Engenharia, responsável pela construção do prédio, a pagar um aluguel no valor de R$ 1,5 mil para cada um dos seis proprietários. Valor insuficiente para a coordenadora de call center Rita Piumbini, de 51 anos, que precisa desembolsar R$ 200 a mais do que a empresa paga para manter o novo apartamento no mesmo bairro. “Infelizmente, ainda estamos aguardando que a perícia indicada pelo juiz seja anexada no processo, pois só isso deve motivar uma sentença”, afirma a ex-moradora do Vale dos Buritis.

Mesma situação vive a advogada Maria do Porto Mafra, de 40. Ela se mudou com o marido para o Bairro Cidade Nova, Nordeste de BH, e precisa pagar todo mês R$ 500 para conseguir completar o valor fixado pela Justiça. “Essa quantia determinada judicialmente já saiu defasada. Nosso maior medo é que tudo caia na vala comum da impunidade e que nosso patrimônio acabe sem que ninguém tome nenhuma providência”, diz a advogada.

Ainda segundo Maria do Porto, o longo tempo que se passou desde o desabamento do Vale dos Buritis fez com que o local ficasse abandonado, condição ideal para os saques no meio dos entulhos. “Temos informações de que pessoas estão roubando janelas, pedaços de ferro e fios de cobre. Param caminhões em frente e levam as coisas sem preocupação”, diz a advogada. O advogado da Estrutura Engenharia, Eduardo Cordeiro, informou que a empresa também aguarda o documento produzido pelo perito judicial.

Quem também sofre com o problema no Buritis são os moradores do entorno. Como o trânsito permanece fechado na Rua Laura Soares Carneiro e em parte da Avenida Protásio de Oliveira Penna, o transtorno se estende à região. Pais que precisam pagar transporte escolar para os filhos já sentiram no bolso o aumento nas mensalidades das vans, devido à volta necessária para se chegar, por exemplo, ao Colégio Magnum. Por enquanto, não há nenhuma previsão de solução para o tráfego da região.

AtrasoNo fim de janeiro, a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), prometeu para 30 dias a conclusão da obra de contenção da encosta. Porém, segundo a própria empresa, ainda faltam 15 dias para a finalização de uma terraplanagem, o que vai levar o prazo para mais de 60 dias. A Sudecap também informou que as obras são referentes à Avenida Protásio de Oliveira Penna, ressaltando que um laudo apontando a situação do terceiro prédio da Rua Laura Soares deve sair hoje. Somente com base nesse documento é que será possível dizer o que será feito para reconstruir a rua e apontar se o prédio será ou não demolido.


Saques preocupam também no Caiçara

No Caiçara, escombros estão sendo alvo de ladrões, o que pode prejudicar perícia (Fotos: Cristina Horta/EM/D.A Press)
No Caiçara, escombros estão sendo alvo de ladrões, o que pode prejudicar perícia


Moradores do edifício que desabou em 2 de janeiro na Rua Passa Quatro, Caiçara, Noroeste de BH, conhecem bem a aflição que os removidos do Buritis enfrentam. Da mesma forma que aconteceu no bairro da Região Oeste, a Justiça proibiu a retirada de entulho, para que fosse feita perícia que deve apontar as causas do colapso da estrutura. “A Regional Noroeste queria retirar tudo, sob o argumento de que a rua precisa ser refeita. Se isso acontecer, acabou o material, acabou tudo. Agora temos que esperar o trabalho do perito indicado pelo juiz”, afirma o representante dos moradores, Helvécio Tibães.
Enquanto se viram pagando aluguel ou morando em casas de amigos e parentes, os ex-condôminos do Caiçara também sofrem com os saques nos escombros. “A malandragem dos bandidos acaba ganhando, já que a polícia não tem condições de vigiar o local 24 horas”, completa Tibães. A Regional Noroeste informou que qualquer intervenção no local só poderá ser feita por medida judicial, já que a área é particular. De acordo com a assessoria de comunicação do Fórum Lafayette, os moradores alegaram não ter condições de pagar a perícia.

Nenhum comentário: