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22/03/2012 às 12:38h
Dia Mundial da Água: estudos decifram o diálogo entre a selva amazônica e sua água
Em 1993, a ONU definiu o dia 22 de março como o Dia Mundial da Água. A data
ficou destinada à discussão sobre os diversos temas relacionados a este
importante bem natural. Cerca de 0,008 %, do total da água do nosso planeta é
potável (própria para o consumo). E, como sabemos, grande parte de suas fontes
(rios, lagos e represas) está sendo contaminada, poluída e degradada pela ação
predatória do homem. O Dia Mundial da Água tem como objetivo principal criar um
momento de reflexão, análise, conscientização e elaboração de medidas práticas
para resolver tal problema. O Sul21 transcreve abaixo um artigo de Alice
Marcondes sobre as trocas que a selva amazônica realiza com a água da região e
as alterações que têm sido verificadas na região.
Havendo alteração na relação entre a selva amazônica e os bilhões de metros
cúbicos de água que circulam pelo ar, desde o Oceano Atlântico equatorial até os
Andes, estará em risco a resiliência deste bioma crucial para o clima do
planeta, alerta um experimento de duas décadas. A Amazônia é um ser vivo de 6,5
milhões de quilômetros quadrados, que ocupa metade do território do Brasil e
parte de outros oito países (Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana Francesa,
Guiana, Peru, Suriname e Venezuela), e abriga a maior reserva de água doce do
planeta.
Para entender plenamente esse complexo sistema, cientistas do Brasil e do
mundo criaram o Experimento em Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia
(LBA, sigla em inglês). Após 20 anos de pesquisas, os dados coletados constituem
um alerta. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que
participa do experimento, se nos próximos anos não houver políticas efetivas
para reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa, a Amazônia chegará
ao final do Século 21 com 40% menos chuva, com temperaturas médias de até oito
graus acima do normal.
Isso converteria a Amazônia em uma fonte emissora de dióxido de carbono, em
lugar de um depósito desse gás-estufa. A Agência Internacional de Energia estima
que, em 2010, a população mundial lançou na atmosfera o recorde de 30,6
gigatoneladas de dióxido de carbono, principalmente procedente da queima de
combustíveis fósseis. “As pesquisas nos mostram que a floresta tem um grande
poder de resiliência, mas também que este poder tem limites”, disse ao
Terramérica o físico Paulo Artaxo, presidente do Comitê Científico Internacional
do LBA.
“Se continuarmos queimando tanto carbono, o cenário climático para a região
amazônica será bastante desfavorável a qualquer resiliência que a selva possa
desenvolver. Dificilmente sobreviverá a um estresse climático tão grande”,
acrescentou Paulo. Para a coleta de dados o LBA contou, entre outros
instrumentos, com 13 torres de 40 a 55 metros de altura, instaladas em
diferentes pontos da selva, para medir o fluxo de gases, o funcionamento das
propriedades básicas do ecossistema, a radiação e muitos outros parâmetros
ambientais. A informação coletada é analisada por cientistas de várias áreas,
com a finalidade de entender a selva como um sistema interrelacionado.
“A percepção da comunidade científica, de que os estudos individuais ou
disciplinares não eram competentes para explicar a Amazônia, levou ao LBA.
Percebia que era necessário um esforço integrado para explicar a floresta
tropical, a partir das ciências físicas, químicas, biológicas e humanas, e
também da relação entre elas”, disse ao Terramérica o engenheiro agrônomo
Antônio Nobre, destacado cientista que também integra o LBA. “Quando comecei os
estudos no LBA, minha parte principal no projeto era o carbono. Mas o carbono
sem água fica seco e a floresta pega fogo. Se não há transpiração, não há
sequestro de carbono, porque não ocorre a fotossíntese. Percebi que o ciclo da
água e o do carbono são inseparáveis”, afirmou Antônio.
Essa análise integrada demonstrou que a Amazônia está absorvendo uma pequena
quantidade de dióxido de carbono da atmosfera, estimada em meia tonelada por
hectare ao ano. Contudo, esta fixação varia muito por região, segundo o grau das
alterações ambientais. Em áreas próximas a lugares onde a ação humana causou uma
degradação significativa, a absorção diminui, e a Amazônia, em lugar de
incorporar carbono, o emite.
Além disso, a absorção de dióxido de carbono enfrenta “as emissões causadas
pelo desmatamento e pelas queimadas” provocadas para expandir a agricultura,
destacou Paulo. Como nos últimos anos as queimadas diminuíram drasticamente, de
27 mil quilômetros quadrados em 2005 para cerca de sete mil quilômetros
quadrados em 2010, “hoje a selva tem como característica predominante a
absorção”, explicou. Porém, com as mudanças causadas pelo efeito estufa e o
aquecimento da selva, a estação seca tende a aumentar, criando um cenário
propício para mais incêndios e mais emissões de dióxido de carbono.
Segundo Paulo, “o lançamento na atmosfera de partículas sólidas pelas
queimadas altera a microfísica das nuvens e o regime de precipitações. Em um dos
estudos do experimento se constatou que o aumento das queimadas em Rondônia
estende de duas a três semanas a estação seca, retroalimentando a incidência das
queimadas e piorando ainda mais seu efeito sobre o funcionamento do
ecossistema”. Na “muito severa” seca de 2005, “a Amazônia perdeu muito carbono”,
contou Paulo. Em uma situação de “grandes secas” mais frequentes, é possível que
a selva se converta em “emissora de dióxido de carbono e deixe de cumprir um
importante serviço ambiental”, alertou.
A extensão da temporada seca causa outro fenômeno, a emissão de carbono dos
rios, que também foi estudado no LBA. “Os cursos de água de pequeno e médio
portes emitem quantidades significativas de gás. Ocorre o que chamo evasão de
dióxido de carbono dos corpos aquáticos, e isto acontece porque a maior parte
desses rios está saturada de carbono dissolvido na água”, afirmou Paulo. Com o
passar do tempo, este carbono “é lançado na atmosfera em quantidades bastante
significativas. Todos os fenômenos que alteram o ecossistema amazônico têm um
forte impacto na evasão de gases dos rios. Com o aumento da temperatura, aumenta
a emissão de gás”, acrescentou.
Para ilustrar as consequências que um desequilíbrio da Amazônia poderia
acarretar ao clima mundial, Antônio citou a pesquisa que se popularizou com o
nome de “rios voadores”, iniciada na década de 1970 e convertida em um projeto
consolidado desde 2007. “Descobrimos que a ação do Sol sobre a região equatorial
do Oceano Atlântico evapora grande quantidade de água. Esta umidade é
transportada pelos ventos para o norte do Brasil. São cerca de dez bilhões de
metros cúbicos de água por ano, que chegam à Amazônia em forma de vapor. Parte
cai como chuva, e parte segue até encontrar a muralha da Cordilheira dos Andes”,
descreveu Antônio.
Na região andina, o vapor cai como neve e, ao derreter, “alimenta os rios da
bacia amazônica. A maior parte da chuva que cai sobre a floresta volta a
evaporar”, esclareceu Antônio. Esta umidade flutua sobre Bolívia, Paraguai e os
Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, no oeste; Minas Gerais, no leste;
São Paulo no sudeste e inclusive até Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul,
no sul. “E leva a maior parte das chuvas para todas essas regiões”, explicou. A
seca da Amazônia prejudicaria esse rio aéreo e “o ciclo de chuvas nessas
regiões, que são muito ricas em agricultura”, alertou Antônio.
O LBA é hoje um programa do Ministério de Ciência e Tecnologia, coordenado
pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, com apoio de outras entidades.
Seus pesquisadores estão ampliando esse trabalho para outras áreas, como os
sistemas agropastoris e o comportamento do dióxido de carbono nas plantações de
soja. “Temos um trabalho enorme pela frente para compreender os processos
naturais e o que os humanos fazem quanto à alteração dos ecossistemas”, concluiu
Paulo.
Do Portal Sul21
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