Empresários de Belo Horizonte boicotam marcas nacionais de vinho
Geórgea Choucair - Estado de Minas
Publicação: 19/05/2012 06:00 Atualização: 19/05/2012 07:08
Os frequentadores de tradicionais restaurantes e lojas de vinho de Belo Horizonte podem levar susto ao pedir algum rótulo nacional. Os produtos sumiram das prateleiras e das cozinhas. Os chefs e empresários resolveram tirar os vinhos brasileiros da carta como protesto ao pedido de salvaguardas feito ao governo aos produtos importados, que pode resultar em aumento de impostos dos rótulos de fora e limitação nas cotas de importação.
O restaurante francês Taste Vin conta com cerca de 700 rótulos de vinhos na casa. Atualmente, nenhum é nacional. A medida é recente e foi um boicote implementado pelo chef-proprietário Rodrigo Fonseca. “Desde que o restaurante abriu, em 1988, sempre tive uma boa variedade de vinhos brasileiros. Mas essa decisão do governo vai beneficiar apenas meia dúzia de indústrias nacionais. O consumidor não vai trocar uma rolha pela outra. Vinho é um produto de consumo especial. Não é pasta de dente e nem sabonete”, afirma Fonseca.
O movimento de boicote começou com o renomado chef Alex Atala, do D.O.M., em São Paulo, e no restaurante Roberta Sudbrack, no Rio de Janeiro, classificados entre os melhores do mundo. Atala tirou da carta todos os vinhos nacionais. Roberta manteve os dos produtores que se posicionaram contra a salvaguarda, mesma atitude adotada pela tradicional rede Casa Rio Verde, com sete lojas em Belo Horizonte.
A Casa Rio Verde tirou os vinhos nacionais Miolo e Casa Valduga das prateleiras. Na rede, os vinhos importados costumam representar 95% das vendas e os nacionais 5%. “Como somos importadores, seremos prejudicados com a salvaguarda e teremos que rever os planos de investimentos”, afirma Haendel Roberto, superintendente da Rio Verde, que está há 23 anos no mercado. A rede tem planos de abrir uma nova unidade no Bairro de Lourdes, na qual pretende investir R$ 500 mil, e ainda fazer uma readequação no padrão arquitetônico das lojas. "Se houver aumento de imposto e redução das cotas de importação, nossos projetos precisarão ser revistos.”
O Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), a União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra), a Federação das Cooperativas do Vinho (Fecovinho) e o Sindicato da Indústria do Vinho do Estado do Rio Grande do Sul (Sindivinho) afirmaram que o pedido de salvaguarda feito ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) foi feito exclusivamente pelas entidades representativas do setor vitivinícola brasileiro. Segundo as entidades, nenhuma vinícola brasileira, de forma isolada, deve ser responsabilizada pelo pedido feito em 1º de julho de 2011.
A importação de vinhos finos pelo Brasil aumentou 34,4% no primeiro bimestre de 2012, em comparação com igual período do ano passado, segundo dados do Ibravin. Em janeiro e fevereiro deste ano entraram no país 9,11 milhões de litros de vinho fino estrangeiro, ante 6,42 milhões de litros que ingressaram no Brasil nos dois primeiros meses de 2011.
"O volume justifica ainda mais o nosso pedido de salvaguarda ao vinho fino brasileiro”, afirma o diretor-executivo do Ibravin, Carlos Raimundo Paviani. Ele enfatiza que o boicote a alguns fabricantes brasileiros é injusto e precipitado. “Nos últimos anos houve um surto de importação no país, que acabou prejudicando alguns produtores de vinho nacionais. A nossa proposta não é aumentar o imposto de importação, mas regular a entrada e saída de vinhos. É uma medida temporária, de três a quatro anos”, diz Paviani. Segundo o Ibravin, o mercado nacional de vinhos finos ficou estagnado em 19,5 milhões de litros entre 2006 e 2001. Enquanto isso, o mercado de importados saltou de 45 milhões para 72 milhões de litros no país.
Pequenos entram na batalha
A salvaguarda contraria não só os importadores e donos de restaurantes. Entre os produtores nacionais, há pequenos que questionam a medida. Adolfo Lona, produtor de espumante no Rio Grande do Sul, afirma que a medida não deve equilibrar o consumo de vinhos nacionais e importados. “Sou contra a medida. O que falta para melhorar a qualidade é baixar a elevada carga tributária que pagamos. Em uma garrafa de espumantes pagamos 55% de tributo. A guerra com os importados não nos leva a ganhar mercado, mas a criar problemas”, afirma Lona, dono da marca que produz 70 mil garrafas ao ano.
Ele ressalta que a entrada de vinhos importados no mercado ajudou a melhorar as vendas como um todo. “Temos que tentar agora aumentar o consumo de vinho no país. O brasileiro consome menos de dois litros de vinho por ano. É muito pouco. O argentino, por exemplo, consome 50 litros; o chileno, 30; o português, 60; e italianos e franceses, 70 litros”, diz. Lona teme reação negativa do consumidor em meio à guerra de vinhos. “Temos é que mostrar que o nacional é tão bom quanto o importado”, diz.
Na tradicional Casa do Vinho, 100% dos 500 rótulos comercializados na rede são importados. “Sempre tive dificuldades de negociar com produtor nacional”, diz Armando Martini, dono da loja, que tem duas unidades na capital. Ele é contra a salvaguarda. “É uma briga errada. Os dois deveriam trabalhar juntos para divulgar o vinho”, diz Martini.
O empresário Antônio Lúcio Martins toma uma taça de vinho todos os dias. Ontem ele degustou o espumante da marca nacional Casa Valduga. “É muito bom. Acho que o Brasil vem produzindo bons vinhos e não precisava entrar na briga com os importados. A disputa dever ser pela qualidade e não pelo imposto.”
E se de um lado os importadores reclamam da salvaguarda do vinho, do outro brindam a chegada do frio. Nesta semana, a Casa Rio Verde vendeu cerca de 17% a mais de vinho em relação a igual período de 2011. “Com o frio as pessoas ficam mais animadas a beber vinho”, afirma Haendel Roberto. Já na Casa do Vinho, os negócios aumentaram em torno de 10% a 15% em relação a períodos de temperaturas mais altas. (GC)
Saiba mais
Mercado regulado
A salvaguarda é um instrumento previsto pela legislação brasileira e internacional, reconhecido pela Organização Mundial do Comércio (OMC), para regular e equilibrar as relações comerciais entre os países. É, portanto, uma medida legal e temporária que objetiva dar condições para que os setores afetados possam, a partir da implantação de um programa de ajustes, melhorar sua competitividade e concorrer em igualdade de condições com demais partícipes do mercado.
O restaurante francês Taste Vin conta com cerca de 700 rótulos de vinhos na casa. Atualmente, nenhum é nacional. A medida é recente e foi um boicote implementado pelo chef-proprietário Rodrigo Fonseca. “Desde que o restaurante abriu, em 1988, sempre tive uma boa variedade de vinhos brasileiros. Mas essa decisão do governo vai beneficiar apenas meia dúzia de indústrias nacionais. O consumidor não vai trocar uma rolha pela outra. Vinho é um produto de consumo especial. Não é pasta de dente e nem sabonete”, afirma Fonseca.
O movimento de boicote começou com o renomado chef Alex Atala, do D.O.M., em São Paulo, e no restaurante Roberta Sudbrack, no Rio de Janeiro, classificados entre os melhores do mundo. Atala tirou da carta todos os vinhos nacionais. Roberta manteve os dos produtores que se posicionaram contra a salvaguarda, mesma atitude adotada pela tradicional rede Casa Rio Verde, com sete lojas em Belo Horizonte.
A Casa Rio Verde tirou os vinhos nacionais Miolo e Casa Valduga das prateleiras. Na rede, os vinhos importados costumam representar 95% das vendas e os nacionais 5%. “Como somos importadores, seremos prejudicados com a salvaguarda e teremos que rever os planos de investimentos”, afirma Haendel Roberto, superintendente da Rio Verde, que está há 23 anos no mercado. A rede tem planos de abrir uma nova unidade no Bairro de Lourdes, na qual pretende investir R$ 500 mil, e ainda fazer uma readequação no padrão arquitetônico das lojas. "Se houver aumento de imposto e redução das cotas de importação, nossos projetos precisarão ser revistos.”
O Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), a União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra), a Federação das Cooperativas do Vinho (Fecovinho) e o Sindicato da Indústria do Vinho do Estado do Rio Grande do Sul (Sindivinho) afirmaram que o pedido de salvaguarda feito ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) foi feito exclusivamente pelas entidades representativas do setor vitivinícola brasileiro. Segundo as entidades, nenhuma vinícola brasileira, de forma isolada, deve ser responsabilizada pelo pedido feito em 1º de julho de 2011.
A importação de vinhos finos pelo Brasil aumentou 34,4% no primeiro bimestre de 2012, em comparação com igual período do ano passado, segundo dados do Ibravin. Em janeiro e fevereiro deste ano entraram no país 9,11 milhões de litros de vinho fino estrangeiro, ante 6,42 milhões de litros que ingressaram no Brasil nos dois primeiros meses de 2011.
"O volume justifica ainda mais o nosso pedido de salvaguarda ao vinho fino brasileiro”, afirma o diretor-executivo do Ibravin, Carlos Raimundo Paviani. Ele enfatiza que o boicote a alguns fabricantes brasileiros é injusto e precipitado. “Nos últimos anos houve um surto de importação no país, que acabou prejudicando alguns produtores de vinho nacionais. A nossa proposta não é aumentar o imposto de importação, mas regular a entrada e saída de vinhos. É uma medida temporária, de três a quatro anos”, diz Paviani. Segundo o Ibravin, o mercado nacional de vinhos finos ficou estagnado em 19,5 milhões de litros entre 2006 e 2001. Enquanto isso, o mercado de importados saltou de 45 milhões para 72 milhões de litros no país.
Pequenos entram na batalha
A salvaguarda contraria não só os importadores e donos de restaurantes. Entre os produtores nacionais, há pequenos que questionam a medida. Adolfo Lona, produtor de espumante no Rio Grande do Sul, afirma que a medida não deve equilibrar o consumo de vinhos nacionais e importados. “Sou contra a medida. O que falta para melhorar a qualidade é baixar a elevada carga tributária que pagamos. Em uma garrafa de espumantes pagamos 55% de tributo. A guerra com os importados não nos leva a ganhar mercado, mas a criar problemas”, afirma Lona, dono da marca que produz 70 mil garrafas ao ano.
Ele ressalta que a entrada de vinhos importados no mercado ajudou a melhorar as vendas como um todo. “Temos que tentar agora aumentar o consumo de vinho no país. O brasileiro consome menos de dois litros de vinho por ano. É muito pouco. O argentino, por exemplo, consome 50 litros; o chileno, 30; o português, 60; e italianos e franceses, 70 litros”, diz. Lona teme reação negativa do consumidor em meio à guerra de vinhos. “Temos é que mostrar que o nacional é tão bom quanto o importado”, diz.
Na tradicional Casa do Vinho, 100% dos 500 rótulos comercializados na rede são importados. “Sempre tive dificuldades de negociar com produtor nacional”, diz Armando Martini, dono da loja, que tem duas unidades na capital. Ele é contra a salvaguarda. “É uma briga errada. Os dois deveriam trabalhar juntos para divulgar o vinho”, diz Martini.
O empresário Antônio Lúcio Martins toma uma taça de vinho todos os dias. Ontem ele degustou o espumante da marca nacional Casa Valduga. “É muito bom. Acho que o Brasil vem produzindo bons vinhos e não precisava entrar na briga com os importados. A disputa dever ser pela qualidade e não pelo imposto.”
E se de um lado os importadores reclamam da salvaguarda do vinho, do outro brindam a chegada do frio. Nesta semana, a Casa Rio Verde vendeu cerca de 17% a mais de vinho em relação a igual período de 2011. “Com o frio as pessoas ficam mais animadas a beber vinho”, afirma Haendel Roberto. Já na Casa do Vinho, os negócios aumentaram em torno de 10% a 15% em relação a períodos de temperaturas mais altas. (GC)
Saiba mais
Mercado regulado
A salvaguarda é um instrumento previsto pela legislação brasileira e internacional, reconhecido pela Organização Mundial do Comércio (OMC), para regular e equilibrar as relações comerciais entre os países. É, portanto, uma medida legal e temporária que objetiva dar condições para que os setores afetados possam, a partir da implantação de um programa de ajustes, melhorar sua competitividade e concorrer em igualdade de condições com demais partícipes do mercado.
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